São Paulo, quarta-feira, 23 de fevereiro de 2005

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ECONOMIA GLOBAL

País anuncia que vai diversificar reservas e comprar outras divisas; moeda dos EUA cai 1,27% ante o euro

BC da Coréia do Sul derruba dólar e Bolsas

ÉRICA FRAGA
DE LONDRES

Um sinal importante de que a fuga do dólar norte-americano para outras moedas tende a se intensificar foi dado ontem. O banco central da Coréia do Sul avisou que começará a diversificar suas reservas internacionais -as quartas maiores do mundo-, adquirindo, por exemplo, mais dólares australianos e canadenses. O anúncio era, segundo especialistas, a desculpa que investidores estavam procurando para iniciar uma nova onda de venda da moeda norte-americana, que teve forte desvalorização ontem.
O dólar encerrou o dia, na City londrina, com queda de 1,27% em relação ao euro, que terminou cotado a US$ 1,3234. Essa tendência foi generalizada. A moeda dos Estados Unidos chegou a se desvalorizar diante de mais de 30 moedas mundo afora. Um dos maiores tombos foi registrado em relação ao iene japonês (-0,84%).
O anúncio da Coréia do Sul causou um choque nos mercados pelo mundo: as Bolsas caíram nos Estados Unidos, na Europa e na Ásia. O Dow Jones, principal índice da Bolsa de Nova York, caiu 1,6%, enquanto o FTSE Eurofirst 300, índice da Bolsa de Londres, teve queda de 0,7%.
Além disso, o ouro e o petróleo subiram US$ 7,40 e US$ 2,80, respectivamente, ontem.
"Vimos hoje [ontem] uma volta dos movimentos registrados no último trimestre de 2004. A venda forte do dólar é um sinal de que o foco está voltando para as preocupações em relação ao financiamento da conta corrente dos EUA", disse à Folha Derek Halpenny, economista especializado em moedas do banco Tokyo-Mitsubishi.
Para os operadores, a notícia vinda da Coréia do Sul não chegou a surpreender. Segundo eles, já era esperada uma intensificação do movimento de diversificação de reservas por parte dos países asiáticos.
"O enfraquecimento do dólar depois desse anúncio foi mais uma desculpa buscada por investidores que já queriam vender. A nossa expectativa era que o dólar se depreciaria mais agora de qualquer maneira", afirmou Koon Chow, operador de câmbio do Credit Suisse, em Londres.
Chow lembra que o banco central da Rússia já havia inaugurado essa tendência no ano passado. Segundo Halpenny, os países produtores de petróleo também foram pioneiros desse movimento de busca de outras moedas como reserva de valor. De acordo com analistas, boa parte dos lucros com a disparada nos preços do petróleo foi convertida em ativos em euros, não em dólares.
Anteontem, um sinal de que isso deve continuar foi dado pelo presidente do banco central do Bahrein, Rasheed Mohammed Al Maraj, que falou da "iminência de o euro" se tornar "mais visível".

Conseqüências
Ainda que a decisão da Coréia do Sul fosse esperada, as conseqüências desses movimentos para a economia global preocupam. Por enquanto, autoridades monetárias nem têm falado em vendas mais agressivas de dólares. O BC sul-coreano, por exemplo, afirmou que, à medida que continuar adquirindo mais reservas -que já somam o equivalente a US$ 200 bilhões-, buscará adquirir outras moedas, assim como ativos que ofereçam maiores retornos.
Mas só o fato de que as intenções de novas compras do dólar são menores pode ser sinal de problema para o governo norte-americano, já que as necessidades de financiamento do país -até então, bancadas principalmente pelos governos de países asiáticos- seguem muito altas. Estimativa feita pela Bloomberg indica que os EUA precisam atrair, em média, US$ 1,8 bilhão por dia para financiar seus gastos.
Até agora, os países asiáticos vinham investindo pesadamente em ativos norte-americanos para evitar que suas próprias moedas se valorizassem, o que prejudicaria suas exportações.
Apesar disso, o dólar tem se desvalorizado fortemente de toda forma contra outras moedas. O problema disso é que as gigantescas reservas em dólares mantidas pelos asiáticos têm perdido valor a reboque do enfraquecimento do dólar. Daí a decisão desses países de começar a diversificá-las. Além disso, o retorno de investimentos em ativos denominados em dólar se torna cada dia menos atraente.
Não por acaso, pesquisa recente da Central Banking Publications, consultoria com sede em Londres, divulgada em janeiro passado, revelou que, entre 65 bancos centrais entrevistados, 39 haviam aumentado suas compras de euros e 29 haviam reduzido suas exposição ao dólar americano.
Para Gerard Walsh, economista e diretor da Economist Intelligence Unit, a tendência é que esse movimento de diversificação -iniciado com as reservas- acabe atingindo os pilares que sustentam o valor das moedas dos países asiáticos.
Até agora, países asiáticos, como a China, mantêm um sistema de câmbio fixo, com moedas atreladas ao dólar, para evitar que elas se valorizem. Segundo Walsh, é possível que, com o tempo, os governos asiáticos substituam o dólar por uma cesta de moedas.
O temor de economistas é que esses movimentos de diversificação levem a um colapso no valor do dólar, o que poderia forçar os EUA a promoverem um aumento nos juros para atrair capital.


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