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LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
O Banco Central e o mercado
Ou o BC eleva a velocidade da
redução da Selic ou o mercado continuará a pô-lo na parede, valorizando ainda mais o real
O LEITOR desta coluna conhece
uma imagem que uso com
freqüência para caracterizar
a economia brasileira nos últimos
dois anos. Durante décadas, os analistas foram obrigados a se guiar no
Brasil pelas estrelas e astros (superávit primário, reservas, risco Brasil
etc.), pois uma espessa neblina
não permitia outra alternativa.
Hoje, está claro que essa situação
era resultado de nossa fragilidade
externa e das crises cambiais recorrentes que vivíamos.
Com o notável ajuste dos últimos
três anos, essa neblina dissipou-se
e os agentes econômicos podem
utilizar novamente os indicadores
comuns às outras economias de
mercado. Os parâmetros meramente financeiros perdem força
para os do lado real, como mercado
de trabalho e a situação das empresas e dos trabalhadores. Estou falando de indicadores de renda, emprego, produtividade etc., que por
muito tempo foram considerados
secundários na análise de conjuntura. Pena que poucos analistas
conseguiram fazer essa reciclagem
e a grande maioria continua a se
pautar pela complexidade do cosmo e outras variáveis indiretas.
Quero falar hoje sobre uma das
formas mais eficientes para entender e acompanhar o que acontece
em uma economia de mercado como a brasileira neste início de segundo mandato de Lula. Esse instrumento de análise é muito simples e quase sempre muito eficiente. Eu poderia defini-lo como sendo apenas OLHE O MERCADO.
Com a sofisticação e abrangência
dos mercados futuros que existem
atualmente -e o Brasil tem um
dos mais eficientes no mundo
emergente-, os preços projetados
para o futuro nos mostram o que
está acontecendo na economia de
forma muito nítida.
E o que os mercados futuros dizem hoje é que o BC está errado na
gestão dos juros e do câmbio. Em
outras palavras, ou o BC reconhece
a dominância do setor externo no
metabolismo da inflação e aumenta a velocidade da redução da taxa
Selic -o que não é de forma nenhuma incompatível com a meta de inflação- ou o mercado continuará a
colocá-lo na parede, valorizando
ainda mais o real e reduzindo continuamente os juros futuros.
Os mais fortes sinais de que o BC
está errado são a inclinação negativa dos juros mais longos, entre
2008 e 2012, e a aposta já colocada
nos preços de que o BC poderá voltar a cortar os juros em 0,5 ponto
percentual entre abril e julho, apesar de toda a sua retórica dura.
Sabemos, ou deveríamos saber,
que a estrutura a termo de juros em
uma economia com uma política
monetária ajustada é inclinada positivamente. Quando isso não
acontece, alguma coisa está fora de
sintonia. Normalmente, juros de
prazos mais longos menores do que
os de curto prazo indicam uma
ação do Banco Central para reduzir
a inflação por meio de um freio na
atividade econômica. Mas será que
isso está acontecendo no Brasil de
hoje? Acredito que não, e uma prova disso é que as estimativas de inflação para 2007 e 2008 já estão
bem abaixo do centro da meta estabelecida pelo CMN.
Em outras palavras, o mercado já
percebeu que há algo de novo no
mecanismo de formação de preços
e não está preocupado com a inflação. Nessas condições, o jogo a que
estamos assistindo, com ímpeto renovado desde que o Copom reduziu a velocidade do corte da Selic
para 0,25 ponto percentual, chama-se "carry trade", isto é, trocar
dólares por reais e aplicá-los em juros no Brasil.
A busca por rentabilidade maior
está acontecendo em vários outros
países emergentes, mas o caso brasileiro tem sido especial por razões
muito simples: os juros reais de
mais de 8% ao ano são muito elevados para um país que acumula dólares a uma velocidade incrível e
cuja autoridade monetária goza de
grande credibilidade.
O Banco Central tem tentado
corrigir essas distorções comprando volumes crescentes da moeda
americana sem perceber que, ao fazer isso, está simplesmente jogando mais lenha na fogueira do "carry
trade". O volume de reservas já
passou do razoável, e a inflação não
tem dado sinais de vida mesmo levando em conta todos os fatores de
risco apontados nas atas do Copom. As justificativas do Banco
Central para a sua opção de reduzir
os juros lentamente estão ficando
indefensáveis. E quem está dizendo isso com todas as letras e clareza
até incomum é o próprio mercado,
ao vender dólares e contratos de juros longos na BM&F.
Os juros dos contratos que vencem entre 2009 e 2012 estão sendo
negociados com taxas menores do
que 11,80% ao ano. Ora, essa curva
inclinada para baixo acaba por reduzir em muito a eficiência da política de taxas da Selic, já que a economia responde aos juros longos, o
que torna ainda mais difícil o discurso do Banco Central.
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 64, engenheiro e
economista, é economista-chefe da Quest Investimentos.
Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações
(governo FHC).
lcmb2@terra.com.br
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