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São Paulo, domingo, 23 de março de 2003

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Consumo chinês influi mais que guerra no preço da soja

DA REPORTAGEM LOCAL

A guerra entre os EUA e o Iraque terá um efeito mínimo no rumo dos preços uma das principais commodities agrícolas exportadas pelo Brasil, a soja.
A despeito do conflito, as cotações devem permanecer em alta devido à queda dos estoques mundiais e, principalmente, ao aumento da demanda chinesa pela commodity.
Segundo a consultoria Tendências, as exportações nacionais de soja e derivados seguem fortes, com expansão de mais de 90% em valor, no acumulado de duas semanas de março, ante igual período no ano passado. Em fevereiro, elas foram 61% superiores às do mesmo mês de 2002, ficando em US$ 190 milhões.
Nesta safra, a China deve importar 16 milhões de toneladas ante 15 milhões na última safra, de acordo com Paulo Frota, diretor da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China.
Com relação aos estoques, o nível atual em relação à safra passada mostra uma queda de 5%. Essa retração, aliada ao incremento da demanda chinesa, tem, segundo especialistas, pressionado os preços no mercado internacional.
A guerra, que conforme previsões do mercado será curta, não deve alterar esse cenário. "Essa guerra não será importante a ponto de gerar oscilações no comércio de commodities. No caso da soja, por exemplo, a produção dos principais países [EUA, Argentina e Brasil] não correm risco de ser atingidas", afirma Joaquim Guilhotto, professor de economia agrícola da Esalq/USP.
O mesmo ponto de vista é partilhado por Getúlio Pernambuco, economista da CNA (Confederação Nacional da Agricultura). Para, ele o efeito direto da guerra nos preços internacionais deve ser mínimo.

Outros itens em alta
A previsão de que um conflito terá um efeito marginal no comércio agrícola brasileiro também é endossada pelo desempenho da balança comercial brasileira com países do Oriente Médio nos dois primeiros meses deste ano. Dados da Secex (Secretaria de Comércio Exterior) revelam que, no período, a balança comercial registrou superávit recorde de US$ 2,28 milhões. Boa parte desse resultado pode ser atribuída ao incremento das parcerias com países da região. As exportações brasileiras para os países árabes cresceram 27% no primeiro bimestre deste ano em comparação com o mesmo período do ano passado. Além da soja, carnes também tiveram destaque.
No caso do frango, por exemplo, o crescimento das vendas externas foi de 19% em relação a 2002. A Arábia Saudita figura entre os principais compradores desse item de exportação. As exportações de carne bovina, que se expandiram 26,7% no período, tiveram como um dos mais relevantes parceiros o Irã. O país também é, desde 1998, o maior importador de óleo de soja brasileiro. Em 2002, foram compradas 573 mil toneladas do produto.
Para José Augusto de Castro, da AEB (Associação de Comércio Exterior do Brasil), esse impulso nas exportações brasileiras na região foi causado pelo temor da guerra. "Os países anteciparam as compras para fazer estoques preventivos. Se a guerra for de fato rápida, vamos observar em breve um desaquecimento das exportações para a região", diz.
Segundo a Câmara de Comércio Árabe-Brasileira, entretanto, a evolução das exportações brasileiras para os países árabes é resultado de uma evolução natural do comércio. O diretor da FNP Consultoria, José Vicente Ferraz, também descarta a hipótese de o aumento das exportações para o Oriente Médio no período ter sido causado por formação de estoques de guerra na região.
Especialistas ouvidos pela Folha afirmam que ainda é cedo para antever as consequências do término do conflito para as exportações agrícolas brasileiras, porém concordam que o Brasil pode sair ganhando.
O pós-guerra poderia abrir mercados nos países árabes na esteira de um antiamericanismo na região. Nos países árabes que se opõem à posição dos EUA no conflito, poderia haver um processo de substituição. Importações de produtos agrícolas americanos ou de países alinhados com os EUA poderiam ser trocadas por alimentos brasileiros.
"Esse poderia ser um resultado indireto do pós-guerra. As compras antes feitas no mercado americano poderiam passar para o Brasil. Com o fim do embargo ao Iraque, o Brasil também poderia ter participação maior nesse mercado", diz o economista da CNA.
Para Castro, da AEB, esse processo de substituição é plausível, mas há ressalvas. "A logística para a região é complicada. E há o agravante de que, se os EUA ocuparem o Iraque, o Brasil poderá perder esse mercado."
A Câmara Árabe-Brasileira de Comércio não quis comentar o assunto.
(CÍNTIA CARDOSO)


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