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São Paulo, domingo, 23 de março de 2003

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FUGA DO RISCO

Para economista, recuperação é só ajuste de expectativa sobre novo governo e Brasil ainda vai sofrer com guerra

Otimismo é queima de gordura, diz analista

MAELI PRADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Após quatro anos de queda de investimentos externos, fatores como a diminuição do risco-país e maior procura de investidores estrangeiros têm animado o mercado em 2003, mesmo com o atual cenário de guerra.
Apesar disso, o comportamento do mercado do início do ano para cá é encarado pelo doutor em economia Rogério Sobreira, professor da Ebape (Escola Brasileira de Administração Pública e Empresas) da Fundação Getúlio Vargas, como uma "leve recuperação" após o temor exagerado do mercado com o governo Lula.
Para Sobreira, os investidores estrangeiros devem retrair seus investimentos no país durante a guerra e manter uma posição conservadora. "Essa retração pode durar até um ou dois meses após o fim da guerra", diz. Leia entrevista concedida à Folha.
 

Folha - Como o Brasil será afetado pela guerra?
Rogério Sobreira -
O modelo econômico brasileiro ainda depende decisivamente de fluxo de capitais para fechar o balanço de pagamentos. Nosso regime de câmbio é a grande variável que absorve choques externos. Como não temos independência de fluxos de investimentos, quando há movimentos súbitos, como a guerra, ou escassez de investimentos externos, o câmbio tende a se desvalorizar. Há repasse para os preços. Como vamos ter efeito sobre fluxo de capitais, não vamos estar imunes à guerra.

Folha - Mas a recuperação de investimentos não vem ocorrendo?
Sobreira -
O que está acontecendo é um ajuste de expectativas, uma perda de gordura. O risco-país foi superestimado no final do ano passado por causa da preocupação com a polícia econômica do novo governo. Nos dois primeiros meses deste ano houve leve aumento nos investimentos externos, mas apenas se compararmos com os últimos meses de 2003. Em relação ao início de 2002, há o mesmo nível de investimentos ou até menos. Se não houvesse esse cenário de guerra, o risco estaria ainda menor em relação ao ano passado.

Folha - O medo do governo Lula afetou mais o mercado do que a guerra?
Rogério Sobreira -
Com certeza. A guerra foi anunciada, e a expectativa é que o conflito seja curto e quase "indolor" para o mundo ocidental. No entanto, se a guerra durar muito, os agentes podem inverter suas expectativas. Nesse caso vamos ter impactos maiores.

Folha - Qual a perspectiva de investimentos externos no país durante a guerra?
Rogério Sobreira -
Com esse cenário de incertezas maiores, é natural que gestores de fundos tendam a manter posições mais conservadoras. Nos próximos meses, os investimentos externos devem sofrer leve retração se comparados a essa fase de suave recuperação dos últimos meses. Essa retração deve durar até um ou dois meses após o fim da guerra.

Folha - Como deve se comportar o dólar nas próximas semanas?
Rogério Sobreira -
A taxa de câmbio vai ficar muito mais volátil nas próximas semanas, e acredito que a tendência é a desvalorização do real. De quanto exatamente não dá para saber. As negociações vão cair em razão da fuga do mercado de capitais, portanto o câmbio vai ser parcialmente comandado por um volume não tão substantivo e por isso com capacidade de produzir maior volatilidade.

Folha - Depois do ataque ao Iraque, alguma coisa pode mudar nas negociações do Brasil com os Estados Unidos na Alca?
Rogério Sobreira -
Os Estados Unidos devem sair fortalecidos dessa guerra, e acredito que vá haver uma ação do estilo rolo compressor na Alca. Com maior poder político, os americanos vão se sentir bem mais à vontade para impor o seu modelo.


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