São Paulo, terça-feira, 23 de março de 2004

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LUÍS NASSIF

A Lei de Nizan e Fischer

Zeca pagodinho foi transformado no Gerson dos anos 2000. Ambos são ídolos, com toda carga de simbologia que carregam. Gerson, o grande comandante do tricampeonato, o guerreiro que venceu o estigma de amarelar; Pagodinho, a ressurreição do samba, o bom malandro que escorrega, mas sempre volta "para a minha patroa".
O primeiro virou símbolo de oportunismo, o inspirador da "Lei de Gerson"; o segundo ameaça virar símbolo de traição. Ambos foram sacrificados no altar de uma propaganda inescrupulosa, e o que se vê agora é uma rodada de hipocrisia sem paralelo, a ponto de a própria Abap (Associação Brasileira de Agências de Propaganda) fazer um veemente protesto contra Pagodinho, acusando-o de denegrir a propaganda brasileira -como se o publicitário fosse ele, e não Nizan Guanaes (que o tirou do concorrente) nem Eduardo Fischer (que o acusou de "traíra" em uma campanha nacional).
Zeca Pagodinho é uma vítima da cerveja, uma pessoa simples, com problemas de alcoolismo, que corre sérios riscos de saúde se não parar de beber. É contratado por um cachê milionário para vender uma cerveja -a Nova Schin. No mesmo período, os controladores da AmBev vendem a empresa e se tornam sócios da compradora -a Interbrew. Seu horizonte, agora, é o mundo, e seus concorrentes, a Miller e a Molsen, não uma pequena cervejaria brasileira, a Schincariol, que cresceu sob suspeita de praticar sonegação pesada. A operação levanta ruídos no mundo inteiro.
Trinta dias antes do anúncio de venda, a AmBev decide pela campanha inusitada de tirar o garoto-propaganda do concorrente. A operação é de alto risco, por expor cruamente o poder de um monopólio e por colocar em xeque, sem nenhum prurido, a imagem de um ídolo popular. E ainda atropela todo o seu planejamento de marketing -que era não permitir a comparação da Schincariol com a Brahma, mas com a Antarctica.
Deflagrada a operação, toda a celeuma relevante -da venda da AmBev- é substituída pela crucificação de Zeca Pagodinho. A agência concorrente, Fischer América, em uma campanha para o Brasil inteiro, acusa-o de "traíra". Não há nenhum gesto da AmBev e de Nizan de impetrar ao menos uma liminar para proteger seu contratado. Porque o que interessava era mesmo deixar esse país de botocudos discutir a "traição" do Zeca, e não o episódio da venda da AmBev, o fim do sonho da multinacional brasileira.
Não existe "Lei de Gerson", assim como não existe "Pagodinho traíra". Existe a "Lei de Nizan", para quem não vê limites para a esperteza; e a "Lei de Fischer", para quem bate no mensageiro, para não ter que enfrentar seu chefe.
Até os ídolos populares estão sendo subtraídos desse país. Aonde se irá parar nessa escalada?

Pauta fiscal
Escreve-me um distribuidor de cervejas para explicar que, nesse mercado, a sonegação pesada acontece via "NFs Plásticas" -que vão e voltam com o caminhão. Na venda sem nota fiscal, o fabricante embolsa o IPI, o ICMS substituto, o PIS/ Cofins e o IR; e o distribuidor embolsa o PIS/Cofins e o IR. Com a "pauta fiscal" (tributar pelo volume, não pelo valor) e com o medidor de vazão, ele considera que o quadro poderá ser eliminado.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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