São Paulo, terça-feira, 23 de março de 2004

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AGROFOLHA

GRÃOS

Produção recorde de 61 milhões de toneladas não deve se confirmar em razão de fatores climáticos e doença; preço bate recorde

Quebra da soja pode frustrar supersafra

MAURO ZAFALON
DA REDAÇÃO

A grande safra brasileira de soja não vai ocorrer. Os brasileiros devem provar neste ano o amargor que os norte-americanos vêm sentindo há seis anos. Brasil e Estados Unidos, os dois líderes mundiais na produção de soja, vão ter quebra de safra de até 22 milhões de toneladas neste ano, o que representa 11% do consumo mundial previsto para o período. Esse volume é mais do que os 21 milhões de toneladas que a China importa.
Esse cenário está alterando completamente as negociações mundiais. Os preços atingem os maiores patamares dos últimos 16 anos e são bem superiores aos negociados no mercado futuro. Apesar de estar em plena safra e com grande oferta de produto, o Brasil é o principal prejudicado.
A demanda mundial por soja é forte. A mesma China que forçou a elevação nos preços do produto provocou reajuste de até 200% nos preços dos fretes marítimos em um ano. A soja brasileira, mais distante do mercado chinês do que a norte-americana, vale US$ 3 a menos por saca.
Fernando Muraro, da AgRural, de Curitiba, afirma que essa defasagem de preços não se deve, no entanto, somente aos fretes marítimos, mas ao "apagão logístico" que o país vive nos últimos anos.
A produção da soja brasileira está em localização distante, o transporte é precário -e dependente de rodovias- e o escoamento dos portos é incerto, o que força os importadores a pagar mais pelo produto dos Estados Unidos.
Quando a soja é negociada no mercado internacional, tem como referência os preços da Bolsa de Chicago. Os preços pagos pelos importadores podem ficar acima ou abaixo dos de Chicago, dependendo das condições de entrega desse produto.
O Brasil, neste momento, recebe preços inferiores aos de Chicago -um castigo pela ineficiência da infra-estrutura nas exportações do país. Ontem, por exemplo, a soja para maio foi negociada na Bolsa de Chicago a 1.055,75 centavos de dólar por bushel, mas os interessados em importar produto brasileiro só pagavam 935,75 centavos. Já a soja norte-americana era comercializada a 1.056,10 centavos.

Quebra de safra
O Brasil interrompe neste ano um longo período de safras recordes de soja.
As estimativas mais otimistas, feitas pelo Usda (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos), indicavam uma safra de 61 milhões de toneladas.
Excesso de chuvas no Centro-Oeste, seca forte na região Sul e a ocorrência de ferrugem asiática em todo o país, no entanto, vão derrubar a safra brasileira para 51,5 milhões de toneladas, conforme as estimativas mais pessimistas, feitas pela CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil).
Se confirmados, esses dados vão indicar uma quebra de pelos 9 milhões de toneladas no país. A AgRural, a primeira a indicar forte quebra de safra, já está revendo esses dados e espera uma safra próxima de 52 milhões de toneladas. "Esses dados são os que já constatamos, mas até o final da safra poderemos ainda ter novas surpresas", diz Muraro.
Já os EUA vêm patinando há seis anos e sempre colhendo uma safra bem menor do que a prevista. No período, a produção dos norte-americanos ficou 33 milhões de toneladas abaixo da prevista. Somente neste ano, a quebra da safra foi de 13 milhões de toneladas.
A oferta mundial de soja, prevista para 212 milhões de toneladas no início desta safra 2003/4, ficará abaixo dos 190 milhões, na avaliação de Muraro. Essa queda coloca em perigo o abastecimento mundial, já que os estoques recuam para apenas 15% do consumo, estimado em 200 milhões de toneladas pelo Usda.
A queda de oferta de produto brasileiro desvia a atenção do mercado para setembro, quando deverá ser colhida a safra 2004/5 dos norte-americanos.
Mais um ano de quebra nos EUA fará os preços explodir. Essa explosão, no entanto, tem um limite e esbarra no potencial de compra dos consumidores, afirma Muraro.

Produtividade
O Brasil, que vinha sustentado a produtividade média mundial por hectare -porque passou a produzir bem mais soja por hectare do que os norte-americanos-, mesmo com um aumento de 15% na área plantada neste ano, poderá produzir uma safra menor ou próxima dos 52,4 milhões de toneladas do ano passado. A produtividade mundial deve recuar neste ano para 36,6 sacas por hectare -9% menos do que em 2003.
As condições climáticas vinham sendo tão favoráveis para os produtores brasileiros nos últimos anos que Muraro costumava dizer que "Deus é brasileiro e planta soja". Agora, o analista afirma já não ter tanta certeza dessa nacionalidade.
O "apagão logístico" preocupa, mas ele será mascarado neste ano devido à quebra de safra. O país precisa urgente buscar uma saída para o Pacífico, onde estão os principais mercados para os produtos brasileiros, diz Muraro.
O maior prejudicado com todos esses gargalos de escoamento da safra é o produtor. As multinacionais se adaptam a esses custos extras e os descontam do preço pago ao produtor. Todo o ganho de produtividade que o país vem conseguindo nos últimos anos acaba sendo eliminado nesses custos extras, de acordo com o mercado.
A situação neste momento é ainda mais grave por causa da greve no porto de Paranaguá (PR), o principal no escoamento da safra.
Com a paralisação, a saca de soja escoada pelo porto vale cerca de US$ 20,40, com queda de US$ 0,60 em relação aos preços praticados nos portos de Santos (SP) e de Rio Grande (RS).


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