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ENTREVISTA DA 2ª
PETER MANDELSON
Brasil não se promove bem no exterior para atrair investimentos
Ministro dos Negócios britânico diz que Brasil não consegue se projetar comercialmente com a mesma força que conquistou no cenário político internacional
O BRASIL não aparece mais no radar
dos países europeus para negócios
porque não se promove o suficiente,
afirmou à Folha um dos homens
mais poderosos do governo britânico, o ministro dos Negócios, Peter Mandelson, que vem ao
país nesta semana junto com o premiê trabalhista Gordon Brown.
"O Brasil ainda não se vê como a economia
emergente e protagonista internacional no
campo dos negócios do modo que poderia -e
deveria", disse Mandelson, 55, apontando o que
vê como descompasso entre a relevância política e econômica do país na cena internacional.
PEDRO DIAS LEITE
DE LONDRES
Peter Mandelson diz que o
presidente Lula e o premiê britânico, Gordon Brown, são
"bastante parecidos", porque
"são fazedores em vez de faladores". E chama de "clichê" os
relatos de divisões no G20, grupo de 20 países que terá reunião de cúpula em Londres no
dia 2 de abril para tratar da crise global.
Brown e Mandelson chegam
ao país nesta semana com a
maior delegação de empresários e investidores britânicos a
visitar o Brasil, com o objetivo
de aumentar o intercâmbio entre os homens de negócios. "É
uma maneira de apresentar casais, eu sou o cupido."
O ministro deu entrevista à
Folha na sexta, num trem de
York para Londres, após extensa agenda no norte da Inglaterra. Os principais pontos:
FOLHA - Qual o objetivo da visita?
PETER MANDELSON - É uma delegação de negócios muito grande, para apresentar mais companhias britânicas para as tremendas oportunidades de negócios no Brasil e aumentar o
comércio e os investimentos
entre os nossos países. Algumas vezes as pessoas no Reino
Unido não entendem completamente o quão diversa é a economia brasileira e o modo como está se industrializando.
Queremos promover o comércio e o investimento entre
executivos brasileiros e britânicos. Então vamos apresentar
mais negócios britânicos para o
Brasil, gente que já está à procura de oportunidades e quer
fazer isso de forma mais ativa.
Mas também para apresentar
executivos britânicos para outros no Brasil, é uma maneira
de "formar parceiros", de "encontros às escuras". Eu sou o
cupido nesse processo.
FOLHA - Em Londres, a impressão
que se tem é que o Brasil é o menos
badalado dos Brics. Fala-se muito
mais de China, Índia e Rússia.
MANDELSON - Uma das razões
para isso é que o Brasil não faz
publicidade de si mesmo, não
se projeta tanto quanto deveria
em termos comerciais. O Brasil
é um protagonista internacional em política, com uma liderança ministerial forte, um serviço diplomático muito eficiente. Mas, em relação aos negócios, acho que muitos no Brasil
veem o mercado interno como
o limite das suas ambições.
O Brasil ainda não se vê como
a economia emergente e protagonista internacional no campo dos negócios do modo que
poderia -e deveria. E, como resultado, o Brasil não está suficientemente no radar dos executivos britânicos e europeus.
Temos de mudar isso. Veja o tamanho do Brasil, seu mercado,
como ele cresceu, como a economia se industrializou. E, ainda assim, mesmo com seu tamanho e escala, existe um senso de que o Brasil usa menos
força do que o seu peso econômico permitiria. É essa diferença entre realidade e percepção
que quero ajudar a diminuir.
Não tenho dúvida de para onde
o Brasil vai, de seu potencial para ser um protagonista econômico no mesmo patamar de seu
peso político.
FOLHA - O sr. disse recentemente
que as diferenças no G20 não são
tão grandes quanto diz a imprensa.
É possível chegar a um acordo?
MANDELSON - O trabalho da mídia é procurar histórias. Se não
existem, tem de inventá-las.
Nesse sentido, a mídia brasileira e a britânica são parecidas.
FOLHA - O senhor acha que a mídia
inventa as diferenças entre os países? Parece bem claro que os EUA e o
Reino Unido querem foco num estímulo fiscal, enquanto a União Europeia acha que já fez o suficiente e
defende mais regulação.
MANDELSON - Sinceramente, isso é clichê. É uma caricatura.
Todo mundo sabe o que precisa
ser feito. Pode haver ênfases diferentes, diferenças de "timing", mas a agenda do G20 é
interligada. É sobre retomar o
crescimento global, reforma
regulatória, melhorar instituições financeiras internacionais, ajudar países que são pobres ou particularmente afetados pelo o que ocorreu no sistema bancário. Todo mundo divide essa agenda, e criar diferenças é só isso, criações.
FOLHA - Parece que o sr. crê então
que haverá um grande acordo no
encontro do G20 em Londres.
MANDELSON - Acho que vai haver um razoável consenso, mas
isso não quer dizer que como
resultado de um encontro bem-sucedido o mundo vai mudar
da noite para o dia. Não vai. O
que precisamos fazer é olhar o
G20 como um processo, não
como um evento. Porque o G20
é o comitê emergente condutor
da economia mundial. Tem de
identificar os próximos passos
vitais para mover adiante, tanto fora dessa recessão quanto
para implementar a máquina
que vai reduzir os riscos de uma
nova crise como essa.
Estamos lançando as fundações para permitir que a governança comece a se atualizar
com a globalização. Tivemos
um sistema financeiro global
que mudou muito rapidamente, com mudanças que alteraram o cenário da economia global, e o modo como lidamos
com tudo isso tem de ser à altura dessas mudanças. No comércio global, temos a sorte de ter a
OMC, baseada em regras, um
corpo coletivo com força. Não
temos nada parecido para outras partes da economia global.
FOLHA - O presidente Lula visitou
recentemente o presidente Obama,
e os dois falaram de uma abordagem conjunta no G20. O sr. acha que
a visita de Brown e do sr. ao Brasil
pode produzir algo semelhante?
MANDELSON - O hábito de trabalhar junto entre o presidente
Lula e o primeiro-ministro
Brown cresceu muito nos últimos anos. Existem muitas causas comuns em questões internacionais, não só as negociações econômicas, em que os
dois são líderes no esforço de
concluir as negociações. Os
dois são bastante parecidos.
Eles têm valores muito parecidos, eles são ambos indivíduos quase incansáveis que levam seus argumentos ao redor
do mundo, são fazedores em
vez de faladores e gostam de fechar acordos. Eles não estão felizes em apenas serem espectadores no cenário internacional,
formam uma boa dupla.
FOLHA - A crise financeira renovou
as esperanças de retomada da Rodada Doha de comércio global. Acredita no sucesso desta vez?
MANDELSON - O que impede um
acordo, por um lado, é um pequeno mecanismo para conter
o setor de agricultura dos países em desenvolvimento, e de
outro, definir acordos setoriais
para promover o comércio de
bens industrializados. Nenhum
dos dois justifica a falta de acordo. As questões são pequenas,
mas talvez elas escondam reservas mais profundas sobre liberalizar o comércio e reequilibrar os interesses. As águas são
mais profundas, tanto nos EUA
quanto na Índia. Mas em outros países também, mais perto
do Brasil, como a Argentina,
que não estava animada em
concluir as negociações. Os países desenvolvidos estavam sendo solicitados a fazer mais do
que era tolerável, ou justo. E os
países em desenvolvimento
não estavam sendo solicitados
a aceitar mais que um mínimo.
A não ser que sejam questões
aparentes para problemas mais
profundos, não são questões difíceis de resolver.
FOLHA - Falando sobre relação Brasil-Reino Unido, quando o sr. era comissário do Comércio da União Europeia teve alguns embates duros
com o chanceler brasileiro, Celso
Amorim, em relação a Doha.
MANDELSON - Eu tive muito
mais colaborações do que embates com Celso Amorim. Ele é
um negociador duro. Eu também. Então os embates eram
inevitáveis, mas nós tínhamos a
mesma agenda. Uma vez que
nós dois nos demos conta de
que o momento da convergência havia chegado, trabalhamos
muito próximos. E ficamos
igualmente desapontados de
não conseguir fechar o acordo.
FOLHA - A crise não mudou nada
para Doha?
MANDELSON - Houve uma mudança de administração nos
EUA, que vai levar algum tempo para tomar pé, e, na Índia,
também haverá eleições em
breve. Não vai acontecer nada
até as eleições e até o novo representante dos EUA se familiarizar com o tema.
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