São Paulo, segunda-feira, 23 de março de 2009

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ENTREVISTA DA 2ª

PETER MANDELSON

Brasil não se promove bem no exterior para atrair investimentos

Ministro dos Negócios britânico diz que Brasil não consegue se projetar comercialmente com a mesma força que conquistou no cenário político internacional

O BRASIL não aparece mais no radar dos países europeus para negócios porque não se promove o suficiente, afirmou à Folha um dos homens mais poderosos do governo britânico, o ministro dos Negócios, Peter Mandelson, que vem ao país nesta semana junto com o premiê trabalhista Gordon Brown.
"O Brasil ainda não se vê como a economia emergente e protagonista internacional no campo dos negócios do modo que poderia -e deveria", disse Mandelson, 55, apontando o que vê como descompasso entre a relevância política e econômica do país na cena internacional.

PEDRO DIAS LEITE
DE LONDRES

Peter Mandelson diz que o presidente Lula e o premiê britânico, Gordon Brown, são "bastante parecidos", porque "são fazedores em vez de faladores". E chama de "clichê" os relatos de divisões no G20, grupo de 20 países que terá reunião de cúpula em Londres no dia 2 de abril para tratar da crise global.
Brown e Mandelson chegam ao país nesta semana com a maior delegação de empresários e investidores britânicos a visitar o Brasil, com o objetivo de aumentar o intercâmbio entre os homens de negócios. "É uma maneira de apresentar casais, eu sou o cupido."
O ministro deu entrevista à Folha na sexta, num trem de York para Londres, após extensa agenda no norte da Inglaterra. Os principais pontos:

 

FOLHA - Qual o objetivo da visita?
PETER MANDELSON -
É uma delegação de negócios muito grande, para apresentar mais companhias britânicas para as tremendas oportunidades de negócios no Brasil e aumentar o comércio e os investimentos entre os nossos países. Algumas vezes as pessoas no Reino Unido não entendem completamente o quão diversa é a economia brasileira e o modo como está se industrializando.
Queremos promover o comércio e o investimento entre executivos brasileiros e britânicos. Então vamos apresentar mais negócios britânicos para o Brasil, gente que já está à procura de oportunidades e quer fazer isso de forma mais ativa. Mas também para apresentar executivos britânicos para outros no Brasil, é uma maneira de "formar parceiros", de "encontros às escuras". Eu sou o cupido nesse processo.

FOLHA - Em Londres, a impressão que se tem é que o Brasil é o menos badalado dos Brics. Fala-se muito mais de China, Índia e Rússia.
MANDELSON -
Uma das razões para isso é que o Brasil não faz publicidade de si mesmo, não se projeta tanto quanto deveria em termos comerciais. O Brasil é um protagonista internacional em política, com uma liderança ministerial forte, um serviço diplomático muito eficiente. Mas, em relação aos negócios, acho que muitos no Brasil veem o mercado interno como o limite das suas ambições.
O Brasil ainda não se vê como a economia emergente e protagonista internacional no campo dos negócios do modo que poderia -e deveria. E, como resultado, o Brasil não está suficientemente no radar dos executivos britânicos e europeus. Temos de mudar isso. Veja o tamanho do Brasil, seu mercado, como ele cresceu, como a economia se industrializou. E, ainda assim, mesmo com seu tamanho e escala, existe um senso de que o Brasil usa menos força do que o seu peso econômico permitiria. É essa diferença entre realidade e percepção que quero ajudar a diminuir. Não tenho dúvida de para onde o Brasil vai, de seu potencial para ser um protagonista econômico no mesmo patamar de seu peso político.

FOLHA - O sr. disse recentemente que as diferenças no G20 não são tão grandes quanto diz a imprensa. É possível chegar a um acordo?
MANDELSON -
O trabalho da mídia é procurar histórias. Se não existem, tem de inventá-las. Nesse sentido, a mídia brasileira e a britânica são parecidas.

FOLHA - O senhor acha que a mídia inventa as diferenças entre os países? Parece bem claro que os EUA e o Reino Unido querem foco num estímulo fiscal, enquanto a União Europeia acha que já fez o suficiente e defende mais regulação.
MANDELSON -
Sinceramente, isso é clichê. É uma caricatura. Todo mundo sabe o que precisa ser feito. Pode haver ênfases diferentes, diferenças de "timing", mas a agenda do G20 é interligada. É sobre retomar o crescimento global, reforma regulatória, melhorar instituições financeiras internacionais, ajudar países que são pobres ou particularmente afetados pelo o que ocorreu no sistema bancário. Todo mundo divide essa agenda, e criar diferenças é só isso, criações.

FOLHA - Parece que o sr. crê então que haverá um grande acordo no encontro do G20 em Londres.
MANDELSON -
Acho que vai haver um razoável consenso, mas isso não quer dizer que como resultado de um encontro bem-sucedido o mundo vai mudar da noite para o dia. Não vai. O que precisamos fazer é olhar o G20 como um processo, não como um evento. Porque o G20 é o comitê emergente condutor da economia mundial. Tem de identificar os próximos passos vitais para mover adiante, tanto fora dessa recessão quanto para implementar a máquina que vai reduzir os riscos de uma nova crise como essa.
Estamos lançando as fundações para permitir que a governança comece a se atualizar com a globalização. Tivemos um sistema financeiro global que mudou muito rapidamente, com mudanças que alteraram o cenário da economia global, e o modo como lidamos com tudo isso tem de ser à altura dessas mudanças. No comércio global, temos a sorte de ter a OMC, baseada em regras, um corpo coletivo com força. Não temos nada parecido para outras partes da economia global.

FOLHA - O presidente Lula visitou recentemente o presidente Obama, e os dois falaram de uma abordagem conjunta no G20. O sr. acha que a visita de Brown e do sr. ao Brasil pode produzir algo semelhante?
MANDELSON -
O hábito de trabalhar junto entre o presidente Lula e o primeiro-ministro Brown cresceu muito nos últimos anos. Existem muitas causas comuns em questões internacionais, não só as negociações econômicas, em que os dois são líderes no esforço de concluir as negociações. Os dois são bastante parecidos.
Eles têm valores muito parecidos, eles são ambos indivíduos quase incansáveis que levam seus argumentos ao redor do mundo, são fazedores em vez de faladores e gostam de fechar acordos. Eles não estão felizes em apenas serem espectadores no cenário internacional, formam uma boa dupla.

FOLHA - A crise financeira renovou as esperanças de retomada da Rodada Doha de comércio global. Acredita no sucesso desta vez?
MANDELSON -
O que impede um acordo, por um lado, é um pequeno mecanismo para conter o setor de agricultura dos países em desenvolvimento, e de outro, definir acordos setoriais para promover o comércio de bens industrializados. Nenhum dos dois justifica a falta de acordo. As questões são pequenas, mas talvez elas escondam reservas mais profundas sobre liberalizar o comércio e reequilibrar os interesses. As águas são mais profundas, tanto nos EUA quanto na Índia. Mas em outros países também, mais perto do Brasil, como a Argentina, que não estava animada em concluir as negociações. Os países desenvolvidos estavam sendo solicitados a fazer mais do que era tolerável, ou justo. E os países em desenvolvimento não estavam sendo solicitados a aceitar mais que um mínimo.
A não ser que sejam questões aparentes para problemas mais profundos, não são questões difíceis de resolver.

FOLHA - Falando sobre relação Brasil-Reino Unido, quando o sr. era comissário do Comércio da União Europeia teve alguns embates duros com o chanceler brasileiro, Celso Amorim, em relação a Doha.
MANDELSON -
Eu tive muito mais colaborações do que embates com Celso Amorim. Ele é um negociador duro. Eu também. Então os embates eram inevitáveis, mas nós tínhamos a mesma agenda. Uma vez que nós dois nos demos conta de que o momento da convergência havia chegado, trabalhamos muito próximos. E ficamos igualmente desapontados de não conseguir fechar o acordo.

FOLHA - A crise não mudou nada para Doha?
MANDELSON -
Houve uma mudança de administração nos EUA, que vai levar algum tempo para tomar pé, e, na Índia, também haverá eleições em breve. Não vai acontecer nada até as eleições e até o novo representante dos EUA se familiarizar com o tema.

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