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São Paulo, quarta-feira, 23 de abril de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Morte no meio?

ANTONIO BARROS DE CASTRO

Sob o título "Luxo para as massas", a "Harvard Business Review" publicou na sua edição de abril um artigo altamente provocativo. Ali é dito que um novo mercado vem se configurando nos Estados Unidos. Ele abrange enorme quantidade de consumidores: nada menos que 47 milhões de domicílios podem ser considerados integrantes potenciais. Apesar do gigantesco tamanho, suas características contrastam, porém, enormemente, com as do clássico mercado de massas norte-americano.
Os bens que constituem o "novo luxo" combinam, de alguma maneira, design cuidadoso, primorosa engenharia e um certo toque artesanal. Além disso, diferentemente dos bens de luxo do passado, tendem a ser produzidos em grandes quantidades. Tipicamente, no entanto, alcançam preços-prêmio que superam em algo entre 20% e 200% os produtos concorrentes (não de luxo).
Diversas marcas e numerosos produtos poderiam ser apontados como representantes típicos desse novo mercado -que vem crescendo de 10% a 15%, anualmente. Tomo um exemplo apenas, que me parece tanto ilustrativo como chocante.
Enquanto o Chevrolet Malibu enfrentou em 2002 uma retração de suas vendas de 4%, o seu concorrente da BMW (o sedã 325) teve as suas vendas, nos Estados Unidos, acrescidas em 12%. E isso não obstante seu preço ser US$ 10 mil maior! Essa seria, aliás, uma das razões pelas quais a GM, vendendo 4 milhões de carros somente nos Estados Unidos, teria lucrado apenas US$ 600 milhões em 2002. A, BMW, por sua vez, que vendeu 172 mil carros no mercado americano, apresentou um lucro (no mundo) de US$ 2 bilhões. Em tempo: a Ford e a DaimlerChrysler tiveram prejuízo.
Mas o artigo é importante não apenas por chamar a atenção para um fenômeno que pode ter sérias implicações para aqueles que pretendam vender para os Estados Unidos como por algumas de suas implicações.
Delas, a que me parece mais interessante foi referida, no próprio artigo, como "morte no meio". O que se pretende realçar com essa forte expressão é o fato de que o crescente novo mercado de luxo convive (pacificamente, digamos) com o mercado de base -em que o baixo preço é a arma da concorrência. Ou seja, o que estaria minguando seriam os espaços para produtos que não sejam nem de luxo nem básicos.
A "morte no meio" teria várias razões de ser.
Primeiramente, a forte concentração ou polarização da renda em benefício dos 20% mais ricos (e, em menor medida, dos 40% mais ricos) da população americana, ocorrida de 1970 para cá. Ainda do lado da demanda, entrariam fatores vários, como o crescente individualismo/hedonismo de um público que passou a assumir e a ostentar a busca do prazer.
Mas há também importantes fatores do lado da oferta. Assim, por exemplo, no novo paradigma tecnológico é muito mais fácil inovar e, em particular, é muito mais rápida a passagem da (nova) idéia para o protótipo (de um novo produto). Uma vez iniciada a produção, além disso, a imensa rede de shoppings ("malls") se encarrega de distribuí-los por toda a economia. Por outro lado, convém lembrar, a China e, digamos, a América Central tornam extremamente barata a produção (em massa, no sentido tradicional do termo, mas com qualidade estritamente controlada) de componentes a serem introduzidos nos novos bens de luxo.
Não faltam pois, em suma, fatores de peso, por trás do fenômeno. Umas poucas observações poderiam desde já serem feitas sobre sua importância para uma economia como a brasileira.
Primeiramente lembremos que migrações de consumidores de um para outro mercado já vêm sendo, há algum tempo, observadas neste país. O Plano Real, no seu primeiro momento, trouxe integrantes do mercado C para faixas superiores, em que eles, em regra, não conseguiram se manter. A retomada do crescimento, possivelmente, deverá provocar novas e importantes migrações...
No que toca as vendas para o mercado norte-americano, as tendências assinaladas no artigo parecem sugerir cautela quanto ao tão almejado "upgrade" de produtos. À luz do que lá se passa, melhor seria concentrar esforços em mercados situados nos extremos: novo luxo ou baratos (com qualidade). Estes, além de ter espaço no mercado externo, seriam obviamente fator de dinamização do mercado doméstico, além de preparar o país para incursões mais profundas nos demais mercados emergentes.
Finalizando, é bom frisar que a tal "inserção competitiva" da economia brasileira nos mercados externos -que até recentemente apresentou resultados pífios- precisa obviamente ter em conta o que lá se passa.


Antonio Barros de Castro, 65, professor titular da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.


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