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OPINIÃO ECONÔMICA
Morte no meio?
ANTONIO BARROS DE CASTRO
Sob o título "Luxo para as
massas", a "Harvard Business
Review" publicou na sua edição
de abril um artigo altamente provocativo. Ali é dito que um novo
mercado vem se configurando
nos Estados Unidos. Ele abrange
enorme quantidade de consumidores: nada menos que 47 milhões de domicílios podem ser
considerados integrantes potenciais. Apesar do gigantesco tamanho, suas características contrastam, porém, enormemente, com
as do clássico mercado de massas
norte-americano.
Os bens que constituem o "novo
luxo" combinam, de alguma maneira, design cuidadoso, primorosa engenharia e um certo toque
artesanal. Além disso, diferentemente dos bens de luxo do passado, tendem a ser produzidos em
grandes quantidades. Tipicamente, no entanto, alcançam preços-prêmio que superam em algo entre 20% e 200% os produtos concorrentes (não de luxo).
Diversas marcas e numerosos
produtos poderiam ser apontados
como representantes típicos desse
novo mercado -que vem crescendo de 10% a 15%, anualmente. Tomo um exemplo apenas,
que me parece tanto ilustrativo
como chocante.
Enquanto o Chevrolet Malibu
enfrentou em 2002 uma retração
de suas vendas de 4%, o seu concorrente da BMW (o sedã 325) teve as suas vendas, nos Estados
Unidos, acrescidas em 12%. E isso
não obstante seu preço ser US$ 10
mil maior! Essa seria, aliás, uma
das razões pelas quais a GM, vendendo 4 milhões de carros somente nos Estados Unidos, teria lucrado apenas US$ 600 milhões em
2002. A, BMW, por sua vez, que
vendeu 172 mil carros no mercado americano, apresentou um lucro (no mundo) de US$ 2 bilhões.
Em tempo: a Ford e a DaimlerChrysler tiveram prejuízo.
Mas o artigo é importante não
apenas por chamar a atenção para um fenômeno que pode ter sérias implicações para aqueles que
pretendam vender para os Estados Unidos como por algumas de
suas implicações.
Delas, a que me parece mais interessante foi referida, no próprio
artigo, como "morte no meio". O
que se pretende realçar com essa
forte expressão é o fato de que o
crescente novo mercado de luxo
convive (pacificamente, digamos)
com o mercado de base -em que
o baixo preço é a arma da concorrência. Ou seja, o que estaria minguando seriam os espaços para
produtos que não sejam nem de
luxo nem básicos.
A "morte no meio" teria várias
razões de ser.
Primeiramente, a forte concentração ou polarização da renda
em benefício dos 20% mais ricos
(e, em menor medida, dos 40%
mais ricos) da população americana, ocorrida de 1970 para cá.
Ainda do lado da demanda, entrariam fatores vários, como o
crescente individualismo/hedonismo de um público que passou
a assumir e a ostentar a busca do
prazer.
Mas há também importantes
fatores do lado da oferta. Assim,
por exemplo, no novo paradigma
tecnológico é muito mais fácil
inovar e, em particular, é muito
mais rápida a passagem da (nova) idéia para o protótipo (de um
novo produto). Uma vez iniciada
a produção, além disso, a imensa
rede de shoppings ("malls") se encarrega de distribuí-los por toda a
economia. Por outro lado, convém lembrar, a China e, digamos,
a América Central tornam extremamente barata a produção (em
massa, no sentido tradicional do
termo, mas com qualidade estritamente controlada) de componentes a serem introduzidos nos
novos bens de luxo.
Não faltam pois, em suma, fatores de peso, por trás do fenômeno.
Umas poucas observações poderiam desde já serem feitas sobre
sua importância para uma economia como a brasileira.
Primeiramente lembremos que
migrações de consumidores de
um para outro mercado já vêm
sendo, há algum tempo, observadas neste país. O Plano Real, no
seu primeiro momento, trouxe integrantes do mercado C para faixas superiores, em que eles, em regra, não conseguiram se manter.
A retomada do crescimento, possivelmente, deverá provocar novas e importantes migrações...
No que toca as vendas para o
mercado norte-americano, as
tendências assinaladas no artigo
parecem sugerir cautela quanto
ao tão almejado "upgrade" de
produtos. À luz do que lá se passa,
melhor seria concentrar esforços
em mercados situados nos extremos: novo luxo ou baratos (com
qualidade). Estes, além de ter espaço no mercado externo, seriam
obviamente fator de dinamização do mercado doméstico, além
de preparar o país para incursões
mais profundas nos demais mercados emergentes.
Finalizando, é bom frisar que a
tal "inserção competitiva" da economia brasileira nos mercados
externos -que até recentemente
apresentou resultados pífios-
precisa obviamente ter em conta
o que lá se passa.
Antonio Barros de Castro, 65, professor titular da UFRJ (Universidade Federal
do Rio de Janeiro) e ex-presidente do
BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às
quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
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