São Paulo, terça-feira, 23 de maio de 2006

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LUÍS NASSIF

A tijolada global

Sempre que ocorrem, essas mudanças pegam no contrapé grandes investidores, que precisam zerar suas posições

A TIJOLADA foi global. A mudança de humores na economia dos EUA balançou a Turquia e a África do Sul, obrigou a Índia a fechar sua Bolsa e chegou ao México. O prêmio de risco dos emergentes explodiu, e o risco Brasil, que estava dias atrás em 230 pontos, saltou para 280. Houve uma corrida para títulos públicos dos EUA. As taxas longas, que estavam pagando 4,5% no início de março, chegaram a bater em 5,2%. Sempre que ocorrem, essas mudanças de preços relativos pegam no contrapé grandes investidores, que precisam zerar suas posições.
O investidor vende posição em um mercado para cobrir em outro. Ao proceder assim, ele mexe nos preços relativos do mercado em que vendeu posição, deixando outros vendedores a descoberto.
A opinião de alguns analistas mais atilados é que o mercado brasileiro está menos vulnerável que em outras crises por conta do diferencial de juros interno e externo, ainda elevado. Quando o Brasil pagava 13% lá fora e a taxa Selic estava em 17%, qualquer subida no risco Brasil deflagrava ondas de venda que aumentavam o risco-país e/ou desvalorizavam o real. Agora, esse diferencial está razoavelmente aberto. O Brasil está pagando 7,4%, contra a Selic de 15,75%. O que deve ter motivado um efeito maior sobre as Bolsas brasileiras foi o processo de aquecimento dos últimos meses.
A crise internacional foi provocada, em parte, por indicadores desfavoráveis dos EUA, mas muito mais porque o novo presidente do Fed, Ben Bernanke, piscou recentemente na comunicação com o mercado. Mesmo assim, na avaliação de alguns supereconomistas, como Arthur Candal, ainda falta muito tempo para o propalado ajuste da economia norte-americana.
Por suas análises, a economia americana terá de alterar o curso de sua evolução externa antes de dez anos. Isso implica custos que nem os EUA nem o resto do mundo parecem dispostos a arcar agora.
A volta do equilíbrio mundial teria que se dar através dos seguintes passos sincronizados: 1) Os EUA teriam de reduzir o crescimento de demanda interna para ritmo inferior ao do PIB, reduzindo o consumo, as importações e liberando capacidade exportadora; 2) O resto do mundo terá de fazer o contrário: acelerar o ritmo de crescimento de sua demanda interna para acima do ritmo do PIB, e reduzindo as suas exportações e aumentando as suas importações; 3) Como contrapartida, os EUA aumentarão sua poupança interna líquida (mais poupança pública), até o limite de seu déficit em conta corrente, e o resto do mundo ou aumentará o seu investimento ou reduzirá a sua poupança.
Conseqüências que nenhum governo parece disposto a bancar: 1) Redução do bem-estar nos EUA, já que o seu consumo privado cairá ou crescerá menos, e 2) menor crescimento econômico no resto do mundo, que hoje sustenta o crescimento nos estímulos fornecidos pelos déficits (comercial e em conta corrente) dos EUA.

@ - Luisnassif uol.com.br


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