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Superávit leva Lula a suspender fundo
Presidente avalia se o aperto fiscal maior não deveria ajudar a reduzir a dívida pública e, portanto, a conter a inflação
Envio do projeto de lei do fundo ao Congresso foi adiado; Lula cogita ainda usar parte das reservas, mas Banco Central é contra
VALDO CRUZ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Preocupado com o cenário
internacional adverso e com a
inflação em alta, o presidente
Lula suspendeu o lançamento
do Fundo Soberano do Brasil
por ainda ter dúvidas sobre o
uso de recursos do superávit
primário para formar seu caixa.
Lula tem sido aconselhado
por economistas de fora do governo a elevar o superávit primário -economia destinada ao
pagamento da dívida pública-
somente para ajudar o Banco
Central no combate à inflação,
evitando destinar a economia
excedente ao fundo.
Como o presidente não desistiu da idéia, ele voltou a cogitar uma medida já descartada
anteriormente por pressão do
comandante do BC, Henrique
Meirelles: usar parte das reservas internacionais, talvez US$
15 bilhões dos quase US$ 200
bilhões, para criar o fundo soberano, abortando assim o uso
de recursos fiscais.
Lula ainda avalia a proposta
de usar o superávit primário, já
dada como certa pelo Ministério da Fazenda. Segundo disse a
assessores, se for para fazer um
ajuste fiscal maior, talvez seja
melhor destinar esses recursos
só para o pagamento da dívida
pública, auxiliando diretamente o Banco Central no combate
à inflação.
O presidente, contudo, ainda
não tomou uma decisão. Na última segunda-feira, ele determinou que o ministro Guido
Mantega (Fazenda) segurasse o
envio ao Congresso do projeto
de lei que cria o Fundo Soberano do Brasil.
Lula disse a seus ministros
ter considerado o formato "supercomplicado e pouco harmônico". Pela proposta divulgada
por Guido Mantega à imprensa,
teria recursos do superávit primário -uma poupança fiscal-
e da compra de dólares.
O superávit subiria informalmente de 3,8% para 4,3% do
PIB ao ano, uma economia extra de 0,5 ponto percentual do
PIB, equivalente a cerca de R$
14 bilhões. A outra parcela viria
da compra de dólares no mercado pelo Tesouro Nacional.
Essa idéia foi bombardeada
por interlocutores do presidente. Lula ouviu de um deles que o
superávit extra tem de ficar
"entesourado" para, de fato, reduzir a demanda pública e auxiliar o BC no combate à inflação,
prioridade do petista.
O presidente ouviu de economistas que a proposta da Fazenda acabaria tendo efeitos
fiscais contrários, dificultando
o trabalho do BC. Um dos argumentos usados para convencer
Lula é que o Tesouro, ao comprar dólares para criar o fundo,
jogaria mais reais na economia
ou elevaria seu endividamento.
O recuo do presidente se deve, principalmente, à avaliação
de que o cenário econômico internacional pode piorar depois
dos últimos dados vindos dos
EUA. O Fed (o banco central
americano) sinalizou que o
processo de queda de juros acabou e mostrou pessimismo
com a inflação e o crescimento.
No Brasil, a inflação dá mostras de que ainda pode seguir
elevada nos próximos meses,
ante os efeitos do segundo choque das commodities: após os
alimentos, é a vez dos minerais.
Na última reunião de coordenação, quando Lula tomou a
decisão de adiar o envio do fundo ao Congresso, ele comentou
estar preocupado com a alta do
petróleo, que está atingindo vários setores da economia por
conta da elevação dos preços de
seus derivados, como fertilizantes e plásticos.
Além de ser desaconselhado
a destinar o ajuste fiscal maior
ao fundo soberano, Lula tem
ouvido que não basta aumentar
informalmente a meta de superávit primário; é preciso divulgá-la oficialmente.
Só assim o governo irá colher
os dividendos de uma reversão
de expectativas, sinalizando ao
mercado que a União vai cortar
seus gastos para deixar que a
demanda do setor privado continue crescendo. Com isso, o ciclo de alta dos juros do Banco
Central poderá realmente ser
curto, reduzindo seu impacto
sobre o ritmo da economia.
Críticas
Afora a questão fiscal, o fundo soberano desenhado pelo
governo brasileiro foi alvo de
críticas de economistas pelo fato de o país não apresentar as
características comuns aos países que o possuem.
Em comum entre a maioria
dos mais de 30 países que possuem fundos soberanos estão
superávits tanto fiscais como
em conta corrente ou ao menos
um dos dois indicadores. Mas o
Brasil já tem déficit fiscal, ou
seja, gasta mais do que arrecada; e, a partir deste ano, voltará
a ter resultado negativo na sua
conta corrente (que contabiliza
o resultado das relações de trocas de bens, serviços e renda de
um país com o exterior).
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