São Paulo, sexta-feira, 23 de maio de 2008

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Superávit leva Lula a suspender fundo

Presidente avalia se o aperto fiscal maior não deveria ajudar a reduzir a dívida pública e, portanto, a conter a inflação

Envio do projeto de lei do fundo ao Congresso foi adiado; Lula cogita ainda usar parte das reservas, mas Banco Central é contra


VALDO CRUZ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Preocupado com o cenário internacional adverso e com a inflação em alta, o presidente Lula suspendeu o lançamento do Fundo Soberano do Brasil por ainda ter dúvidas sobre o uso de recursos do superávit primário para formar seu caixa.
Lula tem sido aconselhado por economistas de fora do governo a elevar o superávit primário -economia destinada ao pagamento da dívida pública- somente para ajudar o Banco Central no combate à inflação, evitando destinar a economia excedente ao fundo.
Como o presidente não desistiu da idéia, ele voltou a cogitar uma medida já descartada anteriormente por pressão do comandante do BC, Henrique Meirelles: usar parte das reservas internacionais, talvez US$ 15 bilhões dos quase US$ 200 bilhões, para criar o fundo soberano, abortando assim o uso de recursos fiscais.
Lula ainda avalia a proposta de usar o superávit primário, já dada como certa pelo Ministério da Fazenda. Segundo disse a assessores, se for para fazer um ajuste fiscal maior, talvez seja melhor destinar esses recursos só para o pagamento da dívida pública, auxiliando diretamente o Banco Central no combate à inflação.
O presidente, contudo, ainda não tomou uma decisão. Na última segunda-feira, ele determinou que o ministro Guido Mantega (Fazenda) segurasse o envio ao Congresso do projeto de lei que cria o Fundo Soberano do Brasil.
Lula disse a seus ministros ter considerado o formato "supercomplicado e pouco harmônico". Pela proposta divulgada por Guido Mantega à imprensa, teria recursos do superávit primário -uma poupança fiscal- e da compra de dólares.
O superávit subiria informalmente de 3,8% para 4,3% do PIB ao ano, uma economia extra de 0,5 ponto percentual do PIB, equivalente a cerca de R$ 14 bilhões. A outra parcela viria da compra de dólares no mercado pelo Tesouro Nacional.
Essa idéia foi bombardeada por interlocutores do presidente. Lula ouviu de um deles que o superávit extra tem de ficar "entesourado" para, de fato, reduzir a demanda pública e auxiliar o BC no combate à inflação, prioridade do petista.
O presidente ouviu de economistas que a proposta da Fazenda acabaria tendo efeitos fiscais contrários, dificultando o trabalho do BC. Um dos argumentos usados para convencer Lula é que o Tesouro, ao comprar dólares para criar o fundo, jogaria mais reais na economia ou elevaria seu endividamento.
O recuo do presidente se deve, principalmente, à avaliação de que o cenário econômico internacional pode piorar depois dos últimos dados vindos dos EUA. O Fed (o banco central americano) sinalizou que o processo de queda de juros acabou e mostrou pessimismo com a inflação e o crescimento.
No Brasil, a inflação dá mostras de que ainda pode seguir elevada nos próximos meses, ante os efeitos do segundo choque das commodities: após os alimentos, é a vez dos minerais.
Na última reunião de coordenação, quando Lula tomou a decisão de adiar o envio do fundo ao Congresso, ele comentou estar preocupado com a alta do petróleo, que está atingindo vários setores da economia por conta da elevação dos preços de seus derivados, como fertilizantes e plásticos.
Além de ser desaconselhado a destinar o ajuste fiscal maior ao fundo soberano, Lula tem ouvido que não basta aumentar informalmente a meta de superávit primário; é preciso divulgá-la oficialmente.
Só assim o governo irá colher os dividendos de uma reversão de expectativas, sinalizando ao mercado que a União vai cortar seus gastos para deixar que a demanda do setor privado continue crescendo. Com isso, o ciclo de alta dos juros do Banco Central poderá realmente ser curto, reduzindo seu impacto sobre o ritmo da economia.

Críticas
Afora a questão fiscal, o fundo soberano desenhado pelo governo brasileiro foi alvo de críticas de economistas pelo fato de o país não apresentar as características comuns aos países que o possuem.
Em comum entre a maioria dos mais de 30 países que possuem fundos soberanos estão superávits tanto fiscais como em conta corrente ou ao menos um dos dois indicadores. Mas o Brasil já tem déficit fiscal, ou seja, gasta mais do que arrecada; e, a partir deste ano, voltará a ter resultado negativo na sua conta corrente (que contabiliza o resultado das relações de trocas de bens, serviços e renda de um país com o exterior).


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