São Paulo, domingo, 23 de junho de 2002

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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS

Sistema global opera sem modelo único de ajuste fiscal

GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA

Falar de ajuste fiscal como se fosse uma regra de ouro da racionalidade econômica é um mito cuja validade já expirou.
No Brasil, o governo conseguiu uma concessão importante do FMI. Investimentos da Petrobras deixarão de contar como despesas no ajuste fiscal.
A regra que menospreza a qualidade do investimento público é filha de um modelo que supõe a privatização total. Em outros países, onde empresas estatais deixaram de existir ou se tornaram irrelevantes, a regra fiscal do Fundo pode até fazer sentido.
A racionalidade é outra quando se trata do investimento de uma empresa estatal comercial cujos resultados podem afetar positivamente a necessidade de dólares do país (exportando ou importando menos petróleo).
Outro exemplo de flexibilidade na interpretação do que significa um ajuste fiscal vem da União Européia. Depois de vários meses, os europeus finalmente chegaram a um consenso. Os franceses defendiam o adiamento puro e simples da data para cumprimento das metas de ajuste fiscal. Os alemães, mais "austeros", recusavam o adiamento.
O consenso é maroto: o prazo foi mantido (2004), mas a definição foi alterada. Em vez de exigir orçamentos equilibrados, os ministros das Finanças europeus concordam com o ideal de situações "próximas ao equilíbrio". Sem especificar o que é isso.
A flexibilidade é oportuna. A União Européia não consegue crescer. E a nova safra de governos conservadores, em especial na França, quer recorrer à fórmula da redução de impostos com aumento de gastos para estimular a atividade econômica.
Resta saber se essas maquiagens ajudarão a mudar o cenário sombrio que predomina em toda a economia mundial.
O laboratório decisivo ainda é a economia dos Estados Unidos. É onde a receita de reduzir impostos está sendo aplicada com mais afinco. Isso num contexto em que a recessão jogou areia no cenário mais otimista para as contas públicas.
O modelo conservador de "ajuste fiscal", nos EUA, consiste em reduzir os impostos para liberar poder de compra do setor privado. Ocorre que há poucos dias foi divulgado um exercício com os números do projeto Bush que torna improvável a perspectiva de recuperação da economia com base em corte de impostos.
As contas publicadas por duas organizações ("Citizens for Tax Justice" e "Children's Defense Fund") mostram que boa parte do efeito positivo do pacote Bush sobre a maioria da população já se esgotou. Os principais beneficiados são os mais ricos, porém seus ganhos vão se materializar apenas daqui a alguns anos (o estudo completo está em http://www.ctj.org/html/ gwb0602.htm).
Entre 2001 e 2005, a faixa dos mais ricos (1% da população) receberá apenas 19,8% dos cortes previstos nos impostos. Entre 2006 e 2009, a participação dos mais ricos no bolo da renúncia fiscal conservadora pula para 41% do total. Somente em 2010 os privilegiados no topo da pirâmide receberão o benefício máximo.
Além das questões políticas derivadas da opção por privilegiar os ricos, o crescimento com base nos benefícios de Bush depende do que vai acontecer num futuro relativamente remoto.
Diferentemente do que fazem crer os manuais de austeridade econômica e responsabilidade fiscal, a natureza do ajuste e os seus efeitos mudam com o tempo e o espaço. E sua eficácia parece cada vez menos garantida.


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