São Paulo, sábado, 23 de junho de 2007

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Argentina já admite racionar energia

Em ano eleitoral, governo evita chamar interrupções constantes no abastecimento de "crise" e pede "racionamento voluntário"

Economista vê "populismo energético'; tarifas foram congeladas em 2002, apesar da inflação, e múltis deixaram o país


RAUL JUSTE LORES
DA REPORTAGEM LOCAL

Mesmo sem querer usar a palavra crise, o governo argentino finalmente admitiu ontem que o país enfrenta problemas no abastecimento de energia. "Estamos no limite. Temos de cortar onde dói menos", disse ontem o chefe-de-gabinete (Casa Civil), Alberto Fernández.
Fernández disse que o governo prefere determinar um racionamento para as indústrias do que para as residências. E responsabilizou o frio pela escassez deste mês, que ampliou a demanda por energia elétrica e óleo para calefação.
"Não chamaria de crise, mas um problema de conjuntura", disse Fernández.
Cortes no fornecimento da energia elétrica e de gás já vêm paralisando centenas de fábricas diariamente na Argentina, principalmente entre 18h e 22h. Com a capacidade de produção e distribuição no limite, o governo argentino pediu às empresas que economizem para evitar o racionamento nas residências no horário de pico.
O crescimento da economia e do consumo no país nos últimos três anos não foi acompanhado por nenhum investimento no setor.
"Estamos sofrendo as primeiras consequências do populismo energético do governo", diz o economista Miguel Kiguel, ex-vice-ministro da Economia e dono da consultora Econviews. "As tarifas estão congeladas desde janeiro de 2002, temos a energia elétrica mais barata da América Latina e os investidores fugiram."
Em janeiro de 2002, as tarifas dolarizadas foram convertidas ao peso e foram congeladas. Desde então, o custo de vida aumentou mais de 100%.
Os argentinos hoje pagam um terço pela energia que pagavam até 2001 (entre 1996 a 2001, o kilowatt-hora custava US$ 0,097, hoje, custa US$ 0,031; no Brasil, custa US$ 0,196, seis vezes mais).
Achando que não valia a pena seguir na Argentina, várias multinacionais deixaram o país, como Total e Electricité de France (França) e a CMS (EUA).
Quando as temperaturas baixam, cresce o medo de blecautes entre os industriais. O governo pediu um "racionamento voluntário" às fábricas entre 18h e 22h para não faltar gás ou energia elétrica nas casas.
Nas últimas semanas, alguns "blecautes programados" paralisaram a produção de fábricas da GM, Mercedes, Iveco e Loma Negra, a grande fabricante de cimento do país, além de inúmeras fábricas médias.
Em ano de eleição presidencial (outubro), é improvável um racionamento maior. O consumo residencial aumentou 22% no último ano. Na quarta-feira, o presidente Néstor Kirchner culpou as produtoras e transmissoras de energia por alguns "inconvenientes". Também culpou o frio, não querendo admitir a gravidade da situação.
Mas a crise energética foi o único tema na reunião da diretoria da União dos Industriais da Argentina (UIA). A Folha conversou com três grandes empresários do país, que por manifestar "medo" do governo, pediram anonimato. Contam que o governo já sabia há pelo menos dois anos de que o país poderia ter seu crescimento ameaçado por falta de energia.

Brasil
Os empresários comparam a crise ao racionamento que o Brasil precisou adotar em 2000. E dizem que Kirchner pode até faturar politicamente comprando briga com multinacionais, mas isso afastaria investimentos imprescindíveis.
Depois de instituir tabelamento e congelamento de preços e proibir, no ano passado, exportações de carne para baixar os preços, os empresários temem punições e multas.
"Onde mais se perde é em novos investimentos. Uma empresa estrangeira prefere colocar sua fábrica no Brasil a fazê-lo na Argentina, onde há incerteza energética", diz Miguel Kiguel. A Econviews prevê que o PIB argentino possa deixar de crescer 1% neste ano.
O governo anunciou a construção de duas termelétrica -em Santa Fé e Buenos Aires. Mas o cronograma das obras está bem atrasado, e elas só devem operar em 2009.
Já a ampliação de um dos maiores gasodutos do país está paralisada por conta do maior escândalo de corrupção do governo Kirchner. Dois funcionários do governo já tiveram que renunciar por um esquema de propinas - ambos foram indicados pelo ministro do Planejamento, Julio De Vido, homem forte do governo e caixa das campanhas de Kirchner.

Sem táxis
Apesar do consumo residencial ser a prioridade do governo, a classe média começa a sentir a crise de perto. Além de blecautes esporádicos pelo limite da capacidade (algo comum na Argentina, mesmo nos tempos de investimentos estrangeiros maciços na era Menem), a falta de gás comprimido tem atingido os transportes. 80% da frota de 40 mil táxis de Buenos Aires usa gás, que tem faltado em postos.
Os remises, os táxis extra-oficiais muito comuns na cidade, já têm aumentado suas tarifas. E a falta de táxis provoca filas na saída de shoppings e supermercados.


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