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Argentina já admite racionar energia
Em ano eleitoral, governo evita chamar interrupções constantes no abastecimento de "crise" e pede "racionamento voluntário"
Economista vê "populismo energético'; tarifas foram congeladas em 2002, apesar da inflação, e
múltis deixaram o país
RAUL JUSTE LORES
DA REPORTAGEM LOCAL
Mesmo sem querer usar a palavra crise, o governo argentino
finalmente admitiu ontem que
o país enfrenta problemas no
abastecimento de energia. "Estamos no limite. Temos de cortar onde dói menos", disse ontem o chefe-de-gabinete (Casa
Civil), Alberto Fernández.
Fernández disse que o governo prefere determinar um racionamento para as indústrias
do que para as residências. E
responsabilizou o frio pela escassez deste mês, que ampliou
a demanda por energia elétrica
e óleo para calefação.
"Não chamaria de crise, mas
um problema de conjuntura",
disse Fernández.
Cortes no fornecimento da
energia elétrica e de gás já vêm
paralisando centenas de fábricas diariamente na Argentina,
principalmente entre 18h e
22h. Com a capacidade de produção e distribuição no limite,
o governo argentino pediu às
empresas que economizem para evitar o racionamento nas
residências no horário de pico.
O crescimento da economia e
do consumo no país nos últimos três anos não foi acompanhado por nenhum investimento no setor.
"Estamos sofrendo as primeiras consequências do populismo energético do governo",
diz o economista Miguel Kiguel, ex-vice-ministro da Economia e dono da consultora
Econviews. "As tarifas estão
congeladas desde janeiro de
2002, temos a energia elétrica
mais barata da América Latina
e os investidores fugiram."
Em janeiro de 2002, as tarifas dolarizadas foram convertidas ao peso e foram congeladas.
Desde então, o custo de vida aumentou mais de 100%.
Os argentinos hoje pagam
um terço pela energia que pagavam até 2001 (entre 1996 a
2001, o kilowatt-hora custava
US$ 0,097, hoje, custa US$
0,031; no Brasil, custa US$
0,196, seis vezes mais).
Achando que não valia a pena
seguir na Argentina, várias
multinacionais deixaram o
país, como Total e Electricité
de France (França) e a CMS
(EUA).
Quando as temperaturas baixam, cresce o medo de blecautes entre os industriais. O governo pediu um "racionamento
voluntário" às fábricas entre
18h e 22h para não faltar gás ou
energia elétrica nas casas.
Nas últimas semanas, alguns
"blecautes programados" paralisaram a produção de fábricas
da GM, Mercedes, Iveco e Loma Negra, a grande fabricante
de cimento do país, além de
inúmeras fábricas médias.
Em ano de eleição presidencial (outubro), é improvável um
racionamento maior. O consumo residencial aumentou 22%
no último ano. Na quarta-feira,
o presidente Néstor Kirchner
culpou as produtoras e transmissoras de energia por alguns
"inconvenientes". Também
culpou o frio, não querendo admitir a gravidade da situação.
Mas a crise energética foi o
único tema na reunião da diretoria da União dos Industriais
da Argentina (UIA). A Folha
conversou com três grandes
empresários do país, que por
manifestar "medo" do governo,
pediram anonimato. Contam
que o governo já sabia há pelo
menos dois anos de que o país
poderia ter seu crescimento
ameaçado por falta de energia.
Brasil
Os empresários comparam a
crise ao racionamento que o
Brasil precisou adotar em
2000. E dizem que Kirchner
pode até faturar politicamente
comprando briga com multinacionais, mas isso afastaria investimentos imprescindíveis.
Depois de instituir tabelamento e congelamento de preços e proibir, no ano passado,
exportações de carne para baixar os preços, os empresários
temem punições e multas.
"Onde mais se perde é em novos investimentos. Uma empresa estrangeira prefere colocar sua fábrica no Brasil a fazê-lo na Argentina, onde há incerteza energética", diz Miguel Kiguel. A Econviews prevê que o
PIB argentino possa deixar de
crescer 1% neste ano.
O governo anunciou a construção de duas termelétrica
-em Santa Fé e Buenos Aires.
Mas o cronograma das obras
está bem atrasado, e elas só devem operar em 2009.
Já a ampliação de um dos
maiores gasodutos do país está
paralisada por conta do maior
escândalo de corrupção do governo Kirchner. Dois funcionários do governo já tiveram que
renunciar por um esquema de
propinas - ambos foram indicados pelo ministro do Planejamento, Julio De Vido, homem
forte do governo e caixa das
campanhas de Kirchner.
Sem táxis
Apesar do consumo residencial ser a prioridade do governo, a classe média começa a
sentir a crise de perto. Além de
blecautes esporádicos pelo limite da capacidade (algo comum na Argentina, mesmo nos
tempos de investimentos estrangeiros maciços na era Menem), a falta de gás comprimido tem atingido os transportes.
80% da frota de 40 mil táxis de
Buenos Aires usa gás, que tem
faltado em postos.
Os remises, os táxis extra-oficiais muito comuns na cidade,
já têm aumentado suas tarifas.
E a falta de táxis provoca filas
na saída de shoppings e supermercados.
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