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LUÍS NASSIF
Economia e visão sistêmica
Os anos 90 trouxeram enormes avanços nas formas de
pensar de diversos setores do
país. Na medicina, consolidou-se, finalmente, a chamada visão
de equilíbrio do organismo. Hoje em dia, as boas práticas médicas sugerem ao paciente entregar sua saúde à responsabilidade de um clínico geral. Caberá a
ele analisar o equilíbrio geral do
organismo e acionar o especialista para os casos crônicos específicos, mas sempre monitorando o todo.
Essa mesma evolução se deu
no âmbito das empresas. Até alguns anos atrás, sempre havia a
preponderância de um setor sobre o todo. Nos anos 70 o marketing era absoluto. Privilegiava-se a conquista do mercado acima de qualquer preocupação de
ordem financeira. Empresas
morriam pelo caixa. Com a inflação e as crises sucessivas dos
anos 80, o comando passou para
o financeiro. Matou-se a visão
estratégica de longo prazo.
Nos anos 90, com o fim da inflação e a abertura da economia,
houve notável evolução na cultura empresarial. Os funcionários e departamentos passaram
a ser avaliados por sua contribuição ao resultado final da
companhia, e não por seu sucesso específico. Se um financeiro
vier falar em "matar e esquartejar" os custos, sem subordinar
sua ação à visão estratégica da
companhia, será demitido na
hora.
Nas universidades brasileiras,
só agora, lentamente, começa a
ganhar corpo a visão interdisciplinar. Nos Estados Unidos, a interdisciplinaridade e a noção de
visão sistêmica, trazidas pela física, ajudaram a mudar até conceitos econômicos.
Na política econômica brasileira nada disso ocorreu. Desde
que se inaugurou a era dos "pacotes", a política econômica tornou-se virtual, monofásica, burra, cabeça de planilha, sem interagir com outras áreas do conhecimento. Primeiro foi a visão
monotemática da luta contra a
inflação, presente no Plano Cruzado, implantado sem que houvesse o ambiente adequado prévio -abertura da economia desindexação etc. Depois o padrão
financista dos anos 90, que considerava que bastava abrir a
economia e permitir o livre fluxo
de capitais para automaticamente garantir o investimento e
o paraíso. Levou-se a tal extremo que, para acelerar o processo, eliminaram-se os superávits
comerciais, a fim de facilitar
mais ainda a vinda do capital de
curto prazo.
Considera-se hoje o Real um
sucesso de plano de estabilização. Essa visão fez o Brasil ser
um dos últimos países do mundo
a estabilizar sua economia, e a
um custo que exigirá pelo menos
mais oito anos de arrocho fiscal
para pagar a conta. Agora, consideram que o modelo não deu
certo porque faltou ousadia na
sua implementação. Fantástico!
Dos anos 50 aos anos 70, os
economistas brasileiros tinham
muito claro essa visão sistêmica
e pragmática da economia, do
desenvolvimento integrado,
contemplando políticas regionais, instituições de mercado,
modernização institucional, desenvolvimento de formas de financiamento, do mercado de
capitais, incentivo à inovação
etc.
A redescoberta do desenvolvimento passa pela recuperação
dessa visão sistêmica, pela devolução da política econômica ao
clínico geral, ao CEO, pelo uso
da teoria para resolver problemas reais, e não essa história
atual de permitir ao financeiro
avançar além do caixa.
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
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