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São Paulo, sábado, 23 de agosto de 2003

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LUÍS NASSIF

Economia e visão sistêmica

Os anos 90 trouxeram enormes avanços nas formas de pensar de diversos setores do país. Na medicina, consolidou-se, finalmente, a chamada visão de equilíbrio do organismo. Hoje em dia, as boas práticas médicas sugerem ao paciente entregar sua saúde à responsabilidade de um clínico geral. Caberá a ele analisar o equilíbrio geral do organismo e acionar o especialista para os casos crônicos específicos, mas sempre monitorando o todo.
Essa mesma evolução se deu no âmbito das empresas. Até alguns anos atrás, sempre havia a preponderância de um setor sobre o todo. Nos anos 70 o marketing era absoluto. Privilegiava-se a conquista do mercado acima de qualquer preocupação de ordem financeira. Empresas morriam pelo caixa. Com a inflação e as crises sucessivas dos anos 80, o comando passou para o financeiro. Matou-se a visão estratégica de longo prazo.
Nos anos 90, com o fim da inflação e a abertura da economia, houve notável evolução na cultura empresarial. Os funcionários e departamentos passaram a ser avaliados por sua contribuição ao resultado final da companhia, e não por seu sucesso específico. Se um financeiro vier falar em "matar e esquartejar" os custos, sem subordinar sua ação à visão estratégica da companhia, será demitido na hora.
Nas universidades brasileiras, só agora, lentamente, começa a ganhar corpo a visão interdisciplinar. Nos Estados Unidos, a interdisciplinaridade e a noção de visão sistêmica, trazidas pela física, ajudaram a mudar até conceitos econômicos.
Na política econômica brasileira nada disso ocorreu. Desde que se inaugurou a era dos "pacotes", a política econômica tornou-se virtual, monofásica, burra, cabeça de planilha, sem interagir com outras áreas do conhecimento. Primeiro foi a visão monotemática da luta contra a inflação, presente no Plano Cruzado, implantado sem que houvesse o ambiente adequado prévio -abertura da economia desindexação etc. Depois o padrão financista dos anos 90, que considerava que bastava abrir a economia e permitir o livre fluxo de capitais para automaticamente garantir o investimento e o paraíso. Levou-se a tal extremo que, para acelerar o processo, eliminaram-se os superávits comerciais, a fim de facilitar mais ainda a vinda do capital de curto prazo.
Considera-se hoje o Real um sucesso de plano de estabilização. Essa visão fez o Brasil ser um dos últimos países do mundo a estabilizar sua economia, e a um custo que exigirá pelo menos mais oito anos de arrocho fiscal para pagar a conta. Agora, consideram que o modelo não deu certo porque faltou ousadia na sua implementação. Fantástico!
Dos anos 50 aos anos 70, os economistas brasileiros tinham muito claro essa visão sistêmica e pragmática da economia, do desenvolvimento integrado, contemplando políticas regionais, instituições de mercado, modernização institucional, desenvolvimento de formas de financiamento, do mercado de capitais, incentivo à inovação etc.
A redescoberta do desenvolvimento passa pela recuperação dessa visão sistêmica, pela devolução da política econômica ao clínico geral, ao CEO, pelo uso da teoria para resolver problemas reais, e não essa história atual de permitir ao financeiro avançar além do caixa.

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