São Paulo, quinta-feira, 23 de agosto de 2007

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VINICIUS TORRES FREIRE

Propaganda e fé



Mercado se apega à crença de que juro cairá nos EUA; bancos aderem à campanha do Fed para reduzir sensação de crise
A LÁBIA DO Fed colou e quatro bancões tomaram dinheiro emprestado no redesconto (linha de empréstimos concedida pelos bancos centrais a bancos na lama). Citi, JP Morgan, Bank of America e Wachovia tomaram US$ 500 milhões cada um, segundo os próprios bancos anunciaram ontem (o balanço semanal do redesconto do Fed sai apenas hoje de tarde).
Na sexta passada, o Fed cortou os juros do redesconto, disse que não veria com maus olhos quem recorresse a essa linha de crédito e afirmou que a crise ameaçava o crescimento dos EUA, o que foi entendido como uma promessa de corte na taxa básica de juros. Desde então, pelo menos as Bolsas voltaram a respirar.
Os quatro bancões não estão na lama -se estivessem, a finança mundial iria mesmo à breca. Os bancões foram como que terceirizados pelo Fed (o Citi o admitiu) e servem de garotos-propaganda do redesconto.
Terceirizados porque tomam empréstimos que na verdade vão repassar a instituições quebradas ou quase. Garotos-propagadanda porque, em tese, ir ao redesconto é o beijo da morte para um banco. Se bancões sólidos recorrem ao redesconto a fim de financiar na moita gente quebrada, até pode "pegar bem" recorrer a essa linha de crédito. Adianta o quê? US$ 2 bilhões extras no mercado refrescam muito pouco. Os mercados quase congelados ("commercial papers", promissórias e derivativos de crédito) rodam dinheiro na casa do trilhão.
O empréstimo vence em 30 dias e, em tese, o Fed insinuou que aceitaria até papéis quase podres como garantia. Mas são os bancões que oficialmente devem ao Fed e vão pagar a conta em caso de calote do cliente.
Não devem estar aceitando garantias tão podres. Se tomadores de empréstimos do redesconto por via indireta, via bancões, têm boas garantias, sua dificuldade em obter dinheiro seria devida à falta de liquidez no mercado. Mas os quebrados, com títulos podres na mão, vão conseguir esse empréstimo "terceirizado", repassado pelos bancões? Nouriel Roubini, o economista-catástrofe (que no entanto tem acertado seus vaticínios), diz que a crise é mais de insolvência do que de liquidez. Há centenas de bilhões de derivativos de crédito podres em fundos, bancos, seguradoras.
Anúncios de fusões e aquisições deram a impressão de que a vida volta ao normal no mercado (menos para os milhares de demitidos das financeiras, fundos e empresas imobiliários). Os juros dos títulos americanos subiram ontem, indício de que investidores voltam, muito aos pouquinhos, a se arriscar no mercado. Indicadores de volatilidade recuaram mais um tico, mas o nível de tensão ainda é o de crise. Quanto mais volátil o mercado, mais risco; mais risco, crédito mais caro.
Nas Bolsas, a animação é temperada pela idéia de que o Fed vai cortar a taxa básica de juros. Mas o Fed vai cortar mesmo? Presidentes de Feds regionais trovejam contra o corte. Até 18 de setembro, dia do Copom deles, é preciso prestar atenção no custo do crédito na economia "real" dos EUA, em indicadores de atividade produtiva, na variação dos juros dos títulos americanos e nas eventuais quebras nas finanças. São indicadores que vão dar pistas sobre o futuro da crise -e dos juros.


vinit@uol.com.br



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