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OPINIÃO ECONÔMICA
A "doença brasileira"
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
Em recente manifestação, o
presidente do Banco Central
do Brasil aventou a hipótese de
estar ocorrendo no Brasil o que os
economistas chamam de "dutch
disease". Essa expressão, cunhada
há algumas décadas, serve para
identificar os problemas trazidos
pela valorização excessiva de
uma moeda nacional em razão
de saldos comerciais expressivos,
normalmente associados à exportação de recursos naturais abundantes. A referência à Holanda
aparece por ter sido neste país, na
década dos 60 do século passado,
que o fenômeno chamou a atenção dos economistas. No período,
a economia holandesa passou a
apresentar saldos comerciais crescentes em razão das exportações
de gás natural no mar do Norte.
O excesso de divisas estrangeiras, obtido com a exportação deste produto, provocou uma valorização expressiva do florin, então
a moeda nacional. Como resultado, a indústria holandesa perdeu
competitividade e iniciou-se um
profundo processo de desindustrialização no país. Como se sabia
que a exportação de gás era finita, estabeleceu-se um acirrado debate sobre o que o governo deveria fazer: deixar o mercado trabalhar livremente ou intervir para
defender uma taxa de câmbio
que preservasse a competitividade de longo prazo da indústria
nacional.
Para não nos atermos a um
passado tão remoto, podemos citar o caso atual de uma "Rússia
disease". Com o preço do petróleo
na Lua, as exportações explodiram e criaram no país de Lênin
saldos comerciais impressionantes. O excesso de dólares provocou
a valorização do rublo e obrigou o
governo a intervir no mercado de
câmbio para estancar esse processo. Se não fosse essa política, a
Rússia, em pouco tempo, se transformaria em uma Arábia Saudita
eslava.
Essa questão da valorização de
uma moeda nacional em razão
de excesso de divisas é hoje ainda
mais complexa do que a que ocorria no século passado. Além da dimensão comercial, temos atualmente no mundo globalizado a
questão financeira. Quando os
mercados identificam uma situação como a russa, inicia-se um
movimento de entrada de capitais especulativos para lucrar com
a valorização da taxa de câmbio.
Adiciona-se assim, ao excedente
comercial, uma sobra de moeda
estrangeira de natureza financeira, agravando ainda mais a armadilha do "dutch disease".
Algumas ações especulativas
contra a moeda nacional ficaram
famosas, como a que aconteceu
na Inglaterra em 1992, envolvendo o megaespeculador George Soros, que forçou o país a abandonar a paridade da libra com as
outras moedas do sistema monetário europeu.
Mas no mundo financeiro do
século 21 estamos assistindo, com
freqüência crescente, movimentos
opostos, ou seja, a favor da moeda
nacional. No primeiro caso, a especulação ocorre em razão da escassez de moedas internacionais,
principalmente o dólar americano; no segundo, as flutuações na
taxa de câmbio aparecem em razão do excesso dessas moedas.
Mas no caso brasileiro de hoje
entendo que o problema é mais
complexo do que, como fez o presidente de nosso Banco Central,
associá-lo à "dutch disease". O
que temos no Brasil, e que não
existia no caso da Holanda de ontem e da Rússia de hoje, é a combinação do elevado saldo comercial com a existência de juros estratosféricos em nosso mercado financeiro. Essa é uma armadilha
nova, pois nos casos conhecidos
da "dutch disease" as taxas de juros internas caem rapidamente
abaixo das operadas nos mercados internacionais. Esse é o mecanismo natural de ajuste da economia que sofre do problema de excesso de moedas internacionais
em seus mercados de câmbio. Ter
juros mais baixos é a primeira linha de defesa contra a valorização excessiva.
Ora, no Brasil de Lula o Banco
Central vem controlando as taxas
de juros com mão de ferro para
evitar sua redução. Com isso, está
levando ao limite os efeitos da
chamada "dutch disease" e impedindo que os mecanismos de mercado reduzam seus efeitos sobre
nosso tecido produtivo. Fico aliviado em ver o presidente do BC
preocupado com a taxa de câmbio, mas sugiro que ele aprofunde
suas reflexões sobre essa questão.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 62,
engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
E-mail - lcmb2@terra.com.br
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