São Paulo, terça-feira, 23 de setembro de 2008

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"Governo confunde interesses públicos com privados", diz especialista em Fed

DE WASHINGTON

Um nome lidera o coro dos descontentes com as mudanças pelas quais o Fed (Federal Reserve), movido pela premência do mercado, vem passando. É Allan Meltzer, 80, professor de política econômica da universidade Carnegie Mellon, em Pittsburgh (Pensilvânia), considerado o maior estudioso do BC americano, autor da frase "capitalismo sem quebra é como religião sem pecado -simplesmente não funciona". Logo que detalhes do plano do governo vieram à tona, ele definiu a proposta como "social-democracia piorada". Desde então, o veterano economista vem soltando petardos em direção à equipe econômica de George W. Bush. A Folha entrevistou Meltzer sobre a crise em troca de e-mails ao longo do fim de semana. Leia suas respostas. (SÉRGIO DÁVILA)

 

FOLHA - O sr. disse que as ações recentes do Fed são "inéditas, o banco nunca fez isso". O sr. vê o Fed assumindo um novo papel, mais interventor?
ALLAN MELTZER
- Sim, o Fed já assumiu um novo papel. No passado, cabia ao Congresso e ao Departamento do Tesouro tomar as ações necessárias. O Fed nunca foi um ator importante nessas situações. Agora, o banco sacrificou uma grande parte de sua independência. E eu não vejo a instituição pensando em sobre como fará para voltar ao papel tradicional que deve ter na economia nem em como vai sanar suas próprias finanças.

FOLHA - O sr. acompanha crises econômicas há mais de meio século. Essa é mesmo a pior, em sua opinião?
MELTZER
- Não. Essa crise não é a crise de 1929 revisitada. Em 1932, a economia tinha um crescimento negativo profundo e 25% de desemprego. Agora, nós estamos num momento de crescimento positivo e desemprego de 6,1%. Na Grande Depressão, havia poucas salvaguardas ao mercado financeiro. Agora, existem várias. E ninguém espera de verdade uma queda importante do crescimento da economia norte-americana no futuro.
Essa bobagem sobre depressão econômica vem dos bancos e das instituições financeiras de Wall Street que estão tendo grandes perdas. Eles gritam e gritam até alguém cair na conversa e os escutar. Eu já vi esse processo ocorrer várias vezes nos últimos 50 anos. Em poucas delas os gritos resultaram em desastres. Na maioria, nada mais grave aconteceu.
Em 1970, na crise da Penn Central [empresa ferroviária que protagonizou a então maior concordata da história dos EUA], o Fed não fez nenhuma operação resgate ao sistema. Nada aconteceu. Em 1987, na queda das Bolsas, o banco abriu sua janela de redesconto, mas não resgatou ninguém. Na semana passada, o Lehman Brothers quebrou. Em poucos dias, os principais ativos tinham sido vendidos.
O governo e o Fed estão confundindo interesses privados com interesses públicos. E isso é um grande erro.


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