São Paulo, terça-feira, 23 de setembro de 2008 |
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ARTIGO Dinheiro por lixo
Se o plano do governo Bush for aprovado como está, teremos muito a lamentar
ALGUNS CÉTICOS estão
classificando o plano de
US$ 700 bilhões que o
secretário do Tesouro dos EUA,
Henry Paulson, propôs para
resgatar o sistema financeiros
americano de "dinheiro por lixo". Outros chamam o pacote
de "Lei de Autorização do Uso
de Força Financeira", parodiando a "Lei de Autorização de
Uso da Força Militar", o infame
projeto que deu luz verde ao governo Bush para a invasão do
Iraque.
As duas ironias são justas.
Todos concordam em que é
preciso fazer alguma coisa
grande. Mas Paulson está exigindo para ele mesmo e para
seu sucessor poderes extraordinários quanto a usar o dinheiro dos contribuintes em
apoio a um plano que, no meu
entender, não faz sentido.
Há quem diga que deveríamos simplesmente confiar em
Paulson, porque ele é um cara
inteligente que sabe o que está
fazendo. Mas isso é apenas parcialmente verdade: ele é mesmo um cara inteligente, mas o
que, exatamente, na experiência dos últimos 18 meses -período em que Paulson repetidamente declarou que a crise financeira estava "sob controle"
e ofereceu uma série de soluções frustradas- justifica a
crença de que ele sabe o que está fazendo? Paulson está agindo de improviso, como todos
nós.
Assim, vamos tentar refletir
sobre o assunto por nossa conta. Tenho uma visão em quatro
passos sobre a crise financeira.
1. O estouro da bolha da habitação levou a uma alta nas inadimplências e na execução de
hipotecas, o que por sua vez resultou em queda nos preços dos
títulos lastreados por hipotecas
-ativos cujo valor deriva em
última análise dos pagamentos
de hipotecas.
2. Esses prejuízos financeiros deixaram muitas instituições financeiras com falta de
capital -uma escassez de ativos em comparação com suas
dívidas. O problema é especialmente severo porque todo
mundo assumiu dívidas pesadas durante os anos da bolha.
3. Porque as instituições financeiras apresentam capital
insuficiente com relação à sua
dívida, elas não vêm podendo
ou querendo oferecer o crédito
de que a economia necessita.
4. As instituições financeiras
vêm tentando pagar suas dívidas por meio da venda de ativos, incluindo aqueles títulos
lastreados por hipotecas, mas
isso vem forçando uma queda
nos preços dos ativos e agrava
ainda mais sua posição financeira. O círculo vicioso que temos é conhecido como "paradoxo da desalavancagem".
O plano de Paulson dispõe
que o governo adquira até US$
700 bilhões em ativos problemáticos, principalmente títulos lastreados por hipotecas.
Como isso resolveria a crise?
Bem, a medida poderia -vejam bem, poderia- deter o círculo vicioso da desalavancagem, o passo quatro de minha
descrição sumária. Mas nem isso fica claro: os preços de muitos ativos, não só aqueles que o
Tesouro propõe adquirir, estão
sob pressão. E mesmo que o
círculo vicioso seja limitado, o
sistema financeiro ainda continuará paralisado por capital insuficiente.
Ou melhor, ficará paralisado
por capitalização insuficiente a
não ser que o governo federal
pague um ágio absurdo pelos
ativos que adquirir -o que daria às companhias financeiras,
seus acionistas e dirigentes-
um imenso lucro extraordinário à custa do contribuinte. Eu
cheguei a dizer que o plano não
me satisfaz?
A lógica da crise parece requerer intervenção não no passo 4, mas no passo 2: o sistema
financeiro necessita de mais
capital. E, se o governo vai fornecer capital a companhias financeiras, deveria receber
aquilo a que as pessoas que fornecem capital têm direito: uma
participação acionária, de modo que todos os ganhos, caso o
plano de resgate funcione, não
beneficiem aqueles que causaram a confusão, para começar.
Foi isso que aconteceu na crise das instituições de poupança
e empréstimo, no final dos anos
1990: as autoridades federais
tomaram o controle dos bancos
problemáticos, não apenas de
seus ativos. Também foi isso o
que aconteceu com a Fannie
Mae e a Freddie Mac. (E, aliás,
aquele resgate cumpriu a missão pretendida. As taxas de juros hipotecários caíram acentuadamente desde que o governo federal tomou o controle das
instituições.)
Mas Paulson insiste em que
deseja um plano "limpo". "Limpo", no contexto, quer dizer um
resgate financiado pelo contribuinte, mas sem precondições
-os resgatados não precisarão
retribuir. Por que isso seria
vantagem? Acrescentemos a isso que Paulson também exige
autoridade ditatorial e imunidade contra revisões "por qualquer tribunal judicial ou agência administrativa", e eis uma
proposta inaceitável.
Estou ciente de que o Congresso está sob imensa pressão
para aprovar o plano de Paulson nos próximos dias, com no
máximo algumas poucas modificações que o tornem menos
ruim. Basicamente, depois de
passar um ano e meio dizendo a
todo mundo que as coisas estavam sob controle, o governo
Bush agora afirma que o céu está caindo e que, para salvar o
mundo, temos de fazer exatamente o que eles estão dizendo,
e já!
Mas eu aconselharia o Congresso a parar um minuto, respirar fundo e tentar redefinir
seriamente a estrutura do plano, para que ele trate dos problemas reais. O Legislativo não
deveria se curvar à pressão
-caso o plano seja aprovado
em forma semelhante à atual,
teremos todos muito a lamentar, em um futuro não muito
distante.
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