São Paulo, terça-feira, 23 de setembro de 2008 |
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ARTIGO Uma longa sombra
O fato de nada de tão ruim quanto a Depressão ter acontecido até hoje é notável
ALAN GREENSPAN , o
mestre dos momentos
oportunos, na semana
passada descreveu a atual crise
financeira como "algo que provavelmente acontece apenas
uma vez por século". A Grande
Depressão começou menos de
80 anos atrás, mas o fato é que
estamos em um século diferente. Não importa que essa seja
ou não a pior crise que o mundo
enfrentará daqui até 2099, o fato de que nada tão ruim quanto
a Depressão tenha acontecido
entre os anos 1930 e o presente
é em si notável.
Foi Hyman Minsky, um dos
primeiros economistas de sua
geração a pensar seriamente
sobre crises financeiras, que
observou em 1982 que o mais
significativo evento econômico
desde a Segunda Guerra Mundial (1939-45) "é algo que não
aconteceu: não houve uma depressão profunda e duradoura". Será que é isso está começando agora?
Se for o caso, não admira que
os luminares de Wall Street tenham sido apanhados tão desprevenidos. Afinal, a carreira
média de um presidente-executivo de banco dura pouco
mais de 25 anos. E entre 1983 e
2007, não aconteceu coisa alguma que pudesse preparar os
atuais mestres do universo para o que estamos vivendo. Nem
de longe.
Um boletim publicado pelo
fundo de hedge Bridgewater
definiu a situação de maneira
crua: "Com as taxas de juros a
caminho do zero, os intermediários financeiros quebrados e
a desalavancagem a meio curso,
parece que estamos a caminho
de um novo domínio no qual as
ferramentas monetárias tradicionais não funcionam". O domínio em questão provavelmente terá "uma dinâmica ao
modo dos anos 30".
Os acontecimentos deste
mês certamente tiveram um ar
de anos 1930. A nacionalização
das instituições de crédito hipotecário, a quebra do Lehman
Brothers, a tomada de controle
do Merrill Lynch pelo Bank of
America e o resgate do governo
à AIG, a maior seguradora do
país: qualquer um desses episódios, isolado, teria constituído
uma grande crise financeira
nos anos 1980 e 1990.
Na semana passada, quando
perguntaram a Ken Lewis, presidente do Bank of America,
quantos dos 8.500 bancos americanos ele acreditava que sobreviveriam à compressão de
crédito, ele respondeu: "cerca
de metade".
A falência de mais de 4.000
bancos certamente representaria uma Depressão 2.0 (ainda
que, a bem da verdade, o número total de bancos estaduais e
nacionais a desaparecer nos
EUA entre 1928 e 1933 tenha
chegado a 11 mil). Exceto pelo
fato de que não estamos vivendo uma depressão clara, pelo
menos não ainda.
Para começar, o governo federal é imensamente maior do
que era quando a Grande Depressão começou. E tem injetado dinheiro na economia de
uma maneira que causaria horror ao presidente Herbert Hoover e receberia aplausos de
John Maynard Keynes. O déficit do Orçamento federal ficará
pouco abaixo de US$ 490 bilhões no ano fiscal de 2009.
Exatamente: meio trilhão de
dólares em novas dívidas.
Do começo ao fim, enquanto
isso, o Federal Reserve (Fed, o
BC dos EUA) vem tentando fazer exatamente o oposto do que
fez durante a Depressão: está
combatendo a compressão de
crédito por meio de cortes de
juros e injeções dirigidas de liquidez no sistema, e estendeu
aos bancos de investimento linhas de crédito que no passado
estavam reservadas aos bancos
comerciais, enquanto relaxa
suas regras quanto a cauções.
Além de tudo, Hank Paulson,
secretário do Tesouro, na sexta-feira anunciou a criação de
uma instituição que usaria dinheiro dos contribuintes para
adquirir ativos lastreados por
títulos hipotecários problemáticos das instituições financeiras. De acordo com Paulson, o
plano poderia envolver até US$
700 bilhões em dispêndios governamentais adicionais. Outros, como Ken Rogoff, economista da Universidade Harvard, estimaram o custo como
mais próximo de US$ 1 trilhão.
Essa última medida deve
mais aos anos 1980 do que aos
anos 1930. O modelo é a Resolution Trust Corporation, criada em 1989 para adquirir maus
empréstimos de instituições
insolventes de poupança e empréstimos, as instituições locais de crédito hipotecários que
foram o cerne da última grande
crise do mercado imobiliário
dos EUA. O custo final da crise
do setor de poupança e empréstimos, que durou de 1986 a
1995, foi de US$ 153 bilhões, ou
cerca de 3% do PIB de 1989. Os
contribuintes arcaram com
US$ 124 bilhões do prejuízo.
Dado o volume e a complexidade muito maiores dos ativos
problemáticos atuais, e a dificuldade muito maior em determinar seu valor, a conta da nova RTC deve ser muito mais alta, talvez atingindo 7% do PIB.
Taxas de juros baixas e investimento de dinheiro público gerado por elevação do déficit orçamentário foram as técnicas
recomendadas por Keynes e
outros estudiosos dos anos
1930 como soluções para o problema da Depressão. Essas técnicas sofreram usos e abusos
imensos nos anos 1960 e 1970,
quando não houve depressão, e
o resultado final foi uma inflação desastrosa. Será que essas
técnicas funcionarão agora?
Até o momento, conseguiram promover o que seria possível chamar de uma Grande
Repressão. Na verdade reprimiram, mas não curaram, a depressão. A questão é determinar, como sugeririam certas
teorias psicológicas, se repressão é uma estratégia sustentável ou se, em dado ponto, o paciente terá de deixar de negar
os fatos, se curvar à realidade e
admitir a verdade terrível.
As autoridades terão sucesso
em manter a depressão reprimida? Entre as razões pelas
quais podem fracassar, a política talvez tenha posição preponderante. E consola pouco pensar que o mundo não precisará
passar de novo por isso antes
do próximo século.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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