São Paulo, terça-feira, 23 de setembro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

BENJAMIN STEINBRUCH

A festa que não acabou


A indústria brasileira está capitalizada para sustentar com recursos próprios boa parte de seus investimentos

A FRASE é velha, mas incontestável: o crédito é a principal alavanca do desenvolvimento. Sem ele, o crescimento de qualquer país, empresa ou até de patrimônios familiares se torna mais lento e difícil. Por isso, a economia moderna está repleta de instituições financeiras cuja principal finalidade é captar recursos e repassá-los via empréstimos a países, a empresas ou a pessoas. Por essa razão, temos levado adiante uma verdadeira cruzada contra as altas taxas de juros brasileiras, que encarecem a tomada de financiamentos e atravancam a atividade produtiva e o próprio consumo. Ninguém com sanidade mental pode negar a importância do crédito. Apesar disso, o fornecimento de empréstimos não pode ser uma atividade-fim. Deve ser um meio pelo qual se atinge o objetivo principal, que é o desenvolvimento. Na origem da atual crise global avassaladora está uma distorção que atingiu o sistema financeiro. Nos últimos anos, inovações ousadas fizeram o uso de recursos emprestados crescer de maneira exponencial. O volume de créditos aumentou a um ritmo duas vezes mais rápido do que o da economia real e atingiu, só nos EUA, US$ 15 trilhões no ano passado. Para cada US$ 1 que tinham em ativos, os bancos de investimento americanos, por exemplo, tomaram emprestados US$ 32, o que os levou a registrar lucros astronômicos e a pagar vultosas remunerações a seus executivos. Em 2007, segundo o ex-economista-chefe do FMI Kenneth Rogoff, as instituições financeiras americanas pagaram, só em bônus (fora salários), um total de US$ 12 bilhões a seus funcionários. A bolha de intermediação explodiu e a festa financeira acabou. Três bancos de investimento americanos -marcas famosas, uma delas com 158 anos- já encerraram atividades. Os bancos centrais dos principais países desenvolvidos se cotizaram e emprestaram somas bilionárias de dinheiro aos bancos. O Tesouro dos Estados Unidos apresentou, no fim de semana, seu plano para criar um fundo de US$ 700 bilhões para assumir créditos podres. As instituições financeiras que sobreviverem terão de encolher e se adaptar a uma nova regulamentação rigorosa que certamente será adotada. Mesmo com o plano americano, é uma ilusão achar que a economia brasileira atravessará imune o turbilhão gerado pela crise. Haverá menos crédito internacional, queda de preços de exportação e aumento das remessas de dólares das multinacionais aqui instaladas. Mas não podemos nos acovardar. A indústria brasileira está capitalizada para sustentar com recursos próprios boa parte de seus investimentos. Mesmo com a esperada contração do comércio internacional, o Brasil pode manter um razoável nível de crescimento econômico amparado no mercado interno. As instituições financeiras nacionais estão intactas e saudáveis. O setor público mantém as contas em dia, e as reservas externas e internas são suficientes para garantir a continuidade desse processo. O BNDES, mais do que nunca, deverá ser a principal fonte de financiamento durante o provável período de contração mundial. E há ainda os recursos dos grandes fundos de pensão. Nessas circunstâncias, o pior que poderia acontecer para a empresa brasileira seria dar ouvido ao clamor ortodoxo e ficar sentada em cima do caixa à espera do fim da crise. Sem covardia e com serenidade, vamos tocar os investimentos de que o país precisa. Desde que o conservadorismo radical não a mate a pauladas, a demanda interna será mantida. A festa produtiva não acabou.

BENJAMIN STEINBRUCH , 55, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp.

bvictoria@psi.com.br



Texto Anterior: Microsoft, Hewlett-Packard e Nike farão recompra de ações
Próximo Texto: Vinicius Torres Freire: Política na crise da dívida dos EUA
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.