São Paulo, quinta-feira, 23 de outubro de 2008

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Governo faz MP para estatizar empresas

Fazenda afirma que medida é preventiva e nega que haja bancos quebrando no país

Banco do Brasil poderá comprar bancos sem licitação, e Caixa, adquirir empresas

Segundo medida provisória, o Banco Central poderá ainda recorrer ao Fed para elevar capitalização e trocar reais por dólares

SHEILA D'AMORIM
JULIANA ROCHA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Enterrando de vez o discurso de que a crise mundial não passaria de uma "marola", como disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o governo editou ontem medida provisória que permite que Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal comprem bancos e empresas com problemas. O texto dá ao governo poderes para deslanchar, na prática, uma onda estatizante.
Editada horas após o ministro Guido Mantega (Fazenda) e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, reafirmarem no Congresso que o sistema financeiro brasileiro era mais seguro do que o dos países desenvolvidos e enfatizarem que novas medidas seriam tomadas quando surgissem os problemas, a MP 443, vai além do sistema financeiro.
Pelo texto publicado no "Diário Oficial" da União, BB e Caixa podem comprar, sem licitação, bancos e todas as empresas financeiras ligadas a eles, como seguradoras e companhias de previdência privada e de capitalização, além de corretoras e administradora de cartões.
As operações da Caixa poderão envolver ainda outros setores sem relação com finanças.
Para isso, a empresa criará uma nova estatal, um banco de investimento que atuará no segmento empresarial e terá uma área específica para comprar participações acionárias, batizada por Mantega de CaixaPar (Caixa Participações).
Apesar de ainda precisar ser aprovada no Congresso e ter validade de 120 dias, a medida provisória já permite que sejam fechadas as operações com base nessas regras. Com essa decisão, o governo brasileiro cria instrumentos semelhantes aos de países onde a crise financeira mundial tem sido bem mais devastadora, como os Estados Unidos e o Reino Unido.
Ao anunciarem a medida, Mantega e Meirelles insistiram que o sistema bancário "está sólido" e que as ações "são preventivas". "Não tem banco quebrando", afirmou Mantega.
O ministro afirmou ainda que as aquisições da Caixa fora do sistema bancário ficarão restritas à construção civil, mas não há nada na lei que impeça a compra em outro setor.
Tanto é assim que ele mesmo admitiu que a nova empresa terá atuação semelhante à do BNDESPar, braço do BNDES que atua no mercado de ações e tem participação estratégica em várias operações. Assim, o BNDES pode atuar como acionista diretamente ou com financiador de negócios.
O foco inicial da Caixa será a área de construção, com estimativa de injeção de R$ 2,5 bilhões, em que empreendimentos já são cancelados e há expectativa de retração em 2009.
O setor gera muitos empregos e é um dos motores do crescimento, o que preocupa Lula em véspera de ano eleitoral.
Como é um banco controlado 100% pelo Tesouro Nacional, a Caixa não é obrigada a seguir as regras de mercado impostas pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários) para quem negocia suas ações na Bolsa. Com isso, todas as compras e as ações desse novo banco não precisarão ter a transparência exigida, por exemplo, do BB, que tem que comunicar os acionistas sobre qualquer operação que esteja negociando.
Além disso, bancos com ações negociadas em Bolsa prestam uma série de informações financeiras ao mercado. Para Mantega, essa "é uma medida que responde à necessidade do momento por causa da crise de liquidez". "Não é uma medida permanente. Essas instituições poderão ser revendidas no mercado a preços de mercado", afirmou o ministro.
A medida prevê ainda que o BC poderá trocar reais por dólares com o Fed (o BC dos EUA) dando como garantia títulos do governo americano que o governo brasileiro detém. A medida eleva o poder de intervenção do BC para conter a disparada do dólar sem queimar as reservas internacionais.
A MP também permite que o BC possa recorrer ao Fed. Depois da quebra do Lehman Brothers, por exemplo, o Fed ofereceu US$ 180 bilhões a várias instituições estrangeiras para, segundo um comunicado, "estabilizar o sistema financeiro".
Já em relação às outras medidas, uma das diferenças entre os pacotes para o setor financeiro nos EUA e na Europa está no agente que operará o socorro. No exterior, a ajuda virá diretamente dos cofres do Tesouro, enquanto no Brasil as operações de resgate serão intermediadas por bancos públicos.
Embora o dono do BB e da Caixa seja o governo, as instituições têm contas separadas do Tesouro Nacional e não estão sujeitas a restrições do Orçamento da União -que precisa ser aprovado no Congresso. Com isso, no caso brasileiro, os bancos terão mais autonomia para fazer suas operações no mercado, pois estarão limitados só ao dinheiro que possuem para adquirir instituições.


Colaborou NEY HAYASHI DA CRUZ, da Sucursal de Brasília


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