São Paulo, domingo, 23 de novembro de 2008

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Conjunto de erros levou setor à penúria nos EUA, diz especialista

DE WASHINGTON

Mentalidade retrógrada, contratos trabalhistas inviáveis e aposta tardia em veículos menores e movidos a combustíveis alternativos. Esses são os três males de Detroit, segundo o português Francisco Veloso, especialista em indústria automobilística americana da Universidade Carnegie Mellon, em Pittsburgh, na Pensilvânia.
Leia trechos de sua entrevista à Folha, por telefone. (SD)

 

FOLHA - Como as três grandes montadoras chegaram ao estado de penúria em que estão?
FRANCISCO VELOSO
- Uma razão é o que chamaria de mentalidade retrógrada de Detroit. No período em que o petróleo era barato, em vez de investirem no futuro e se preparem para um mundo que seria claramente de restrição a esse tipo de combustível, basearam seu modelo nos SUVs, carros grandes que consomem muita gasolina e davam lucro alto. Isso permitiu que elas sobrevivessem no final dos anos 90 e no começo deste século. Só que não usaram esse lucro no desenvolvimento de soluções alternativas para o futuro. Nos últimos dois anos, o erro foi percebido e elas tentaram mudar, lançaram carros pequenos ou médios bastante competitivos, mas era tarde.

FOLHA - O que mais?
VELOSO
- A sindicalização do trabalho na zona de Detroit. A United Auto Workers [UAW, principal sindicato do setor] conquistou contratos muito rígidos, que levaram a custos extras associados a cada veículo. Estima-se que um carro feito em Detroit custe US$ 2.000 a mais do que o feito em outras regiões do país, por conta principalmente dos planos de aposentadoria e de saúde dos trabalhadores sindicalizados.
Isso era possível no mundo de dez, 15 anos atrás. Hoje, com um cenário mais competitivo, com mais importações e montadoras estrangeiras produzindo no sul do país a custos mais baixos, é inviável. Além disso, as fábricas de Detroit são menos flexíveis a modernizações que as do sul ou as de fora dos EUA. Por fim, a aposta em produção de veículos de combustíveis alternativos como flex, híbridos elétricos e elétricos puros veio muito mais tarde que a competição internacional.

FOLHA - O sr. acha que os EUA podem se adaptar a um modelo de indústria de propriedade estrangeira, como o que ocorre no Brasil?
VELOSO
- Não é o caso de pensar no desaparecimento completo de GM, Chrysler ou Ford. O que elas têm de fazer é reestruturar-se, serem menores, mais enxutas e com isso mais produtivas. O que acontecerá é fechar fábricas, renegociar os contratos, fechar algumas linhas e concentrar recursos em outras. Podemos pensar num avanço mais rápido de uma tendência dos últimos anos, que é a perda da prevalência da indústria americana nos EUA. Se em 1980, 75% da indústria era americana, em 2006 já falamos de 50% e falaremos no futuro talvez de 40%. Mas não creio que seja mais radical que isso.


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