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ENTREVISTA
PAULO BERNARDO
Bancos mostram que não estão à altura do que o país precisa
Ministro diz que governo não dará mais reajuste ao funcionalismo, mas admite menor rigor fiscal já neste ano
Alan Marques/Folha Imagem
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O ministro Paulo Bernardo em seu gabinete em Brasília
LEANDRA PERES
KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O ministro Paulo Bernardo
(Planejamento) é direto quando indagado se os bancos privados estão escondendo dinheiro
por causa da crise: "Claro que
estão! O que eles fizeram? Fogueira com o dinheiro? Isso deve estar todo entesourado".
Bernardo também diz que o
Banco Central "vai ter de fazer
inflexões" e pode baixar os juros porque a pressão inflacionária "se diluiu".
Segundo o ministro, os bancos não são "um bom parceiro"
do sistema produtivo nacional,
e o sistema financeiro "não está
à altura" das demandas do país .
Admitiu que o superávit primário (economia para pagar juros da dívida) deste ano poderá
ficar abaixo de 4,3% do PIB
(Produto Interno Bruto) por
causa da execução do PAC
(Programa de Aceleração do
Crescimento).
Sobre reforma tributária, bate pesado nos governadores.
Admite que "falta" jogo de cintura à ministra da Casa Civil,
Dilma Rousseff, para ser candidata à Presidência, mas vê nisso
uma "virtude". Leia a seguir
trechos da entrevista concedida à Folha na quinta-feira passada, em seu gabinete.
FOLHA - O governo voltou a adotar
um tom otimista em relação à crise,
mas os dados da economia real
mostram que o Brasil será muito
afetado. A avaliação do governo sobre a crise não está equivocada?
PAULO BERNARDO - A crise é extremamente preocupante. Não
há, de fato, efeito no Brasil além
do problema do crédito, que é
grave. E estamos tomando medidas para destravar isso. Ainda
não houve problema fora do
sistema financeiro. Basta ver os
números. A indústria cresce a
6,7% ao ano, segundo o último
dado, de setembro. O do comércio saiu anteontem: 9,4%.
FOLHA - Mas esses são dados do retrovisor...
BERNARDO - Você tem de dizer
qual é o dado do futuro, porque
aí vamos entrar nas profecias...
FOLHA - Não é profecia. Há montadoras dando férias coletivas, alta na
inadimplência de veículos. Há dados
que já mostram efeitos negativos
na economia real...
BERNARDO - Há indícios de que
podemos ter problemas graves.
O pior deles é não ter recursos
para irrigar a produção. É a empresa não ter capital de giro,
não ter como financiar sua produção para exportação, não ter
recursos para vender no varejo.
Agora, há indícios de que as coisas seguem funcionando.
FOLHA - O pior da crise já passou?
BERNARDO - Não. A crise financeira chegou ao pico e tende a
diminuir. O problema é que a
crise financeira, não no Brasil,
mas na América do Norte, virou
sistêmica. Uma crise em todos
os setores da economia. Na Europa, fala-se em 10 mil demissões por dia. Recessão na Itália,
na França, na Alemanha, no Japão. E um problema grave de
ameaça de deflação.
FOLHA - Isso tudo vai afetar a economia brasileira?
BERNARDO - Não sabemos em
que medida.
FOLHA - Quando será o pico da crise no Brasil? No segundo trimestre
do ano que vem?
BERNARDO - Não sei. É tudo
profecia.
FOLHA - Qual é a avaliação do sr.?
Qual o efeito na economia real?
BERNARDO - Temos indícios de
que vamos ter problemas, mas
não tivemos problema até agora. Seria um absurdo falar um
negócio desses.
FOLHA - Há necessidade de novas
punições aos bancos para que eles
voltem a emprestar?
BERNARDO - O sistema financeiro brasileiro está mostrando
que não está à altura do que o
país precisa.
FOLHA - Os bancos privados estão
escondendo dinheiro?
BERNARDO - Claro que estão! O
que eles fizeram? Fogueira com
o dinheiro? Isso deve estar todo
entesourado. Uma coisa é o pânico e a desconfiança do que
realmente vai acontecer... se vai
ter uma quebradeira de empresas e aí, por prudência gerencial, o banco não empresta. Ou
pode estar esperando que o vizinho quebre para ele comprar
na bacia das almas. Em qualquer hipótese, está claro que as
empresas do setor produtivo
não podem ver o sistema financeiro como um bom parceiro.
Porque emprestar só se o cara
provar que não precisa de nenhum centavo não é possível.
FOLHA - O que o governo pode fazer?
BERNARDO - Os bancos públicos
têm um espaço grande na economia e acho que do jeito que
vai, esse espaço vai aumentar.
FOLHA - Mas eles têm poder de fogo? Farão tudo sozinhos?
BERNARDO - Claro que não. Tem
problemas operacionais, tem
problema de "funding", tem a
burocracia. Mas a verdade é
que nós temos que tentar. Estamos procurando, na medida do
possível, agilizar e estimular,
dar condições para que os bancos públicos trabalhem. Sempre lembrando que eles não são
como há 15 anos, quando ligava
um ministro, um deputado e
determinava um empréstimo
para fulano. Isso não existe
mais. O cara tem que ir lá, sentar na frente do gerente, mostrar os papéis, o cadastro. Não
vou ligar para o superintendente lá do Paraná, que é meu amigo, e dizer que ele tem que dar
um jeito de dar um empréstimo. Provavelmente ele irá preso, e eu também.
FOLHA - Não há o que fazer com os
bancos privados?
BERNARDO - Os bancos públicos
têm uma vocação maior para financiar o desenvolvimento.
FOLHA - Há limite para a ação dos
bancos públicos?
BERNARDO - O limite é o da boa
governança. Se eles comerem a
perna do sistema inteiro, nós
não temos problema com isso.
FOLHA - Não seria mais efetivo baixar os juros?
BERNARDO - Essa é uma alternativa. O que os Estados Unidos e
o Japão podem fazer em termos de política monetária? A
taxa nos EUA é 1%. No Japão,
menos que isso. Nós aqui temos
um espaço enorme, com certeza. As autoridades monetárias
têm condição de perceber isso.
FOLHA - Mas esse não é o sinal que
o Banco Central tem dado...
BERNARDO - O Banco Central
tem uma preocupação com a
inflação, todo mundo sabe. Até
setembro, o problema era outro, era inflação comendo a
renda das pessoas. Então, havia
uma política voltada para uma
realidade claramente colocada.
Hoje, temos outra situação. Estão falando em deflação. Não
no Brasil, mas a pressão inflacionária se diluiu.
FOLHA - A prioridade é crescimento
e não inflação?
BERNARDO - A prioridade é sempre inflação, mas se não tem
pressão inflacionária para
combater, tem de cuidar dos
outros problemas.
FOLHA - O presidente Lula já pediu
para o BC usar esse espaço?
BERNARDO - O presidente Lula
não pede esse tipo de coisa.
Mas o pessoal do BC lê jornal.
FOLHA - O senhor acha que a conjuntura atual mudou o mandato do
Banco Central de controle da inflação para crescimento?
BERNARDO - De 2003 para cá, se
você olhar o que eles [Banco
Central] fizeram, pode até criticar uma decisão de um mês ou
uma decisão de um Copom.
Mas a verdade é que, no atacado, o Banco Central manteve a
inflação controlada, passou
uma credibilidade muito grande e, portanto, deu as melhores
respostas que a economia precisava. É evidente que se tem
uma realidade diferente, e tem,
eles vão ter de fazer inflexões.
Olha, se você vê o mundo mudar e você não muda, você é
maluco. E com certeza ali não
tem nenhum maluco. A minha
opinião, como a gente não está
proibido de dar opinião, é que
há um espaço enorme para fazer política monetária e ajudar
com isso.
FOLHA - Ajudar com política monetária é baixar juros?
BERNARDO - Claro.
FOLHA - Já na reunião do Banco
Central em dezembro?
BERNARDO - Não vou avançar
mais nisso porque não quero
levar um puxão de orelha. Mas
acho que está na cara que tem
esse espaço.
FOLHA - De quanto será o superávit
primário de 2008?
BERNARDO - Queremos que feche em 4,3% do PIB. Mas se
executar mais o PAC, temos
condições de fazer até menos.
FOLHA - Se haverá recuo na economia, não é irreal prever crescimento
de 4% do PIB em 2009?
BERNARDO - Mas vamos ter quase 5,5% neste ano. Se crescermos 4% no ano que vem, já será
uma queda de 1,3 ou 1,5 ponto
no PIB. É grande. É verdade
que tem uma crise grande que
pode levar a um recuo maior.
Mas vamos atuar para que isso
não aconteça. Achamos que essa é a função do governo agora.
FOLHA - Pode haver recuo maior?
BERNARDO - Até discutimos isso
[em reunião com o presidente].
Eu achava que se puséssemos
uma previsão de 3,8% talvez ficasse melhor. Mas o Guido
[Mantega, ministro da Fazenda] nos convenceu de que temos condição e temos que trabalhar para chegar a 4%.
FOLHA - Como o presidente opinou
nesse debate?
BERNARDO - O presidente disse
que o país vai surpreender a
turma que tem dúvidas.
FOLHA - O governo vai se empenhar para aprovar a reforma no Congresso? Há resistências...
BERNARDO - Nós não podemos
aceitar esse lobby de governadores aqui. Reforma tributária
não é para resolver problema
de nenhum governador. É para
resolver o problema do sistema
produtivo. Desde as reformas
tributárias no governo Collor,
nenhum projeto incluiu o nível
de desoneração que está sendo
proposto agora. Estamos diminuindo a tributação sobre a folha de 20% para 14% e tirando
mais 2,5% do salário-educação.
FOLHA - O sr. diz que o governo não
pode aceitar lobby de governadores,
mas eles têm bancadas fortes no
Congresso. Como é que vai aprovar?
BERNARDO - Eu não sei quanto
importante os governadores
são, mas a sociedade é mais. Essa reforma vai simplificar.
FOLHA - Haverá alguma trava a aumentos do funcionalismo?
BERNARDO - Funcionalismo nós
já fizemos o que tinha que fazer. Isso agora é em 2011. O novo governo certamente terá
uma política.
FOLHA - O sr. defende a candidatura da ministra Dilma Rousseff à Presidência?
BERNARDO - Tenho simpatia. Se
existisse essa tendência no PT,
eu poderia ser considerado
"dilmista".
FOLHA - Ela está preparada para
ser candidata e presidente?
BERNARDO - Sim, mas agora esse não é o tema. Temos de dar
resposta para o que está acontecendo no país. Essa crise vai
mostrar que nós temos um timoneiro no país e uma sub-timoneira também.
FOLHA - Se for mal nesse gerenciamento as chances de perder são
grandes?
BERNARDO - Claro.
FOLHA - Não falta jogo de cintura à
ministra? Ela chegou a ganhar um
bambolê do PMDB numa alusão a
essa falta de habilidade política...
BERNARDO - Falta. Mas talvez
seja uma virtude. Será que o povo quer gente rebolando com
bambolê? Não vamos confundir política com rebolado.
FOLHA - O lulismo conseguirá
transferir votos para Dilma?
BERNARDO - Não é o lulismo.
Qualquer governo bem-sucedido tende a eleger o sucessor.
Leia a íntegra da entrevista
www.folha.com.br/0832623
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