São Paulo, segunda-feira, 23 de novembro de 2009

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Mínimo sobe 71% mais que aposentadoria

Nos últimos dez anos, salário teve reajuste de 241,9%, ante 99,7% dos benefícios da Previdência superiores ao mínimo

Para especialista, não há impedimento legal para que benefício mínimo tenha aumentos reais e que os demais tenham só a inflação

MARCOS CÉZARI
DA REPORTAGEM LOCAL

Todo ano, quando se aproxima a época do reajuste do salário mínimo, um tema volta a dominar os debates: os benefícios acima de um salário mínimo pagos pela Previdência estão sendo corrigidos abaixo do que deveriam. Em outras palavras, os aposentados que ganham mais que o mínimo estariam sendo "roubados".
Essa discussão tem uma razão de ser: a política de valorização do mínimo adotada nos últimos anos pelos governos FHC e Lula, que beneficia o aposentado que ganha pouco e "prejudica" o que ganha mais.
Neste ano, a polêmica ganhou um ingrediente adicional com o projeto do senador Paulo Paim (PT-RS) que pretende equiparar o reajuste de todos os benefícios, independentemente do valor. Pela proposta, o reajuste para todos os benefícios, a partir de janeiro de 2010, seria com base na inflação deste ano mais a variação do PIB de 2008. O governo concorda com esse índice apenas para os benefícios equivalentes a um salário mínimo, mas quer que, para os de valores superiores, seja dada apenas metade da variação do PIB.
O governo insistirá, nas próximas semanas, na tese de que não é possível dar aos benefícios superiores ao mínimo um reajuste maior do que a inflação de 2009 mais metade da variação do PIB de 2008 -cerca de 6,5% a partir de janeiro.
A tese do governo é a de que um reajuste maior do que esse comprometeria não apenas as contas da Previdência Social em 2010 mas nos anos seguintes. Segundo o governo, a mudança seria um desastre para as contas públicas, gerando gasto adicional de cerca de R$ 6,9 bilhões em 2010.
Se vier a ser aprovado pelo Congresso, o projeto de Paim, que beneficia mais de 8 milhões de aposentados, provavelmente será vetado pelo presidente Lula. Mas o governo fará de tudo para que haja um acordo, um vez que não quer passar pelo desgaste de ter de vetar o projeto -especialmente em ano eleitoral. Sem acordo, uma solução aventada é conceder o reajuste via medida provisória.

Valorização do mínimo
Como o valor do salário mínimo historicamente sempre foi considerado baixo no país, o governo decidiu adotar uma sistemática de reajuste de modo a elevar seu valor. Para tanto, nos últimos anos vêm sendo adotados índices de reajuste bem acima da inflação.
A regra para o reajuste até agora foi dar índices aleatórios, desde que "caibam" no Orçamento. Daqui para a frente, o objetivo é dar a inflação mais a variação do PIB de dois anos antes. Assim, pela proposta do governo, em janeiro o reajuste seria pela inflação de 2009 mais a variação do PIB de 2008.
Por conta dessa política de valorização do mínimo, os aposentados que ganham mais do que o salário mínimo sentem-se "prejudicados". Mas a leitura dessa questão é equivocada. Os que ganham menos estão tendo reajustes acima do que seria devido; os que ganham mais estão tendo reajustes conforme manda a Constituição.
Pelo artigo 201, parágrafo 4º, "é assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real, conforme critérios definidos em lei". Ou seja, o governo cumpre o que manda a Constituição -e dá a todos os benefícios previdenciários o reajuste pela inflação (no caso, pelo INPC, conforme o artigo 41-A da lei nº 8.213/91, incluído pela lei nº 11.430/2006).
Para o mínimo, o governo dá um índice superior à inflação. Ocorre que, também segundo a Constituição, os benefícios não podem ter valor inferior ao do mínimo. Assim, o aumento do primeiro acaba elevando automaticamente os segundos.

Ganho em vez de perda
Para o leitor entender os efeitos dessa política de reajuste, apenas nos últimos dez anos (2000 a 2009) o salário mínimo subiu 241,91%. Assim, os benefícios iguais ao mínimo subiram também 241,91%. Em valores, é como se um benefício de R$ 100 passasse para R$ 341,91 (na verdade, o mínimo passou de R$ 136 em 1999 para os atuais R$ 465).
Por sua vez, os benefícios de valor superior ao salário mínimo subiram apenas 99,66% no mesmo período. Em valores, é como se os mesmos R$ 100 tivessem passado para R$ 199,66. Resultado: os R$ 341,91 representam mais 71,25% sobre os R$ 199,66. Se o mínimo subisse apenas com base na inflação, estaria hoje, no máximo, em R$ 272. Em reais, houve um ganho de R$ 193 para quem está na base da pirâmide salarial.
Esse ganho, porém, é praticamente esquecido. Em vez de dizer que quem está na parte de baixo da pirâmide salarial está ganhando mais, costuma-se dizer que quem está na parte de cima está ganhando menos.
Segundo o advogado Wladimir Novaes Martinez, especialista em legislação previdenciária, "não há impedimento legal para que o governo dê aumentos maiores para o salário mínimo. Trata-se de uma política de distribuição de renda".
Martinez entende que há uma lógica nessa política salarial. Houve perdas no passado, ainda nos anos 70 e 80 -por conta, entre outros fatores, dos diversos indexadores de reajuste adotados pelos governos e por conta da inflação desenfreada. Assim, é compreensível que o governo adote agora uma política visando repor uma parte das perdas do passado.


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