São Paulo, segunda-feira, 23 de dezembro de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Receita para um novo ciclo de crescimento

FERNANDO ANTÔNIO PIMENTEL DE MELO

Os fundos de pensão são o resultado da combinação de duas prioridades, a social e a econômica, e nada parece mais oportuno do que reconhecer isso no momento em que o país se prepara para, sob inspiração de um novo governo, tentar a junção de um modelo bem-sucedido na tarefa de gerar riquezas com uma justa preocupação em distribuí-las entre um maior número de brasileiros. A previdência complementar ajuda a promover essa condição essencial para o desenvolvimento nacional.
Em muitos outros países, especialmente os do Primeiro Mundo, tal simbiose entre essas duas prioridades que se completam já foi percebida há mais tempo e de forma mais ampla, haja vista os mais de US$ 12 trilhões de reservas que os "pension funds" acumulam internacionalmente.
Nas Américas e na Europa, são comuns os casos de nações em que a poupança previdenciária representa mais de 70% do PIB, havendo mesmo casos em que as reservas acumuladas para o financiamento das aposentadorias e pensões ultrapassam o PIB nacional. No Brasil, muito mais por falta de uma política que, a exemplo desses outros países, visasse o incremento dos fundos de pensão, ainda não fomos além dos R$ 170 bilhões, o equivalente a 14% do PIB brasileiro. Mas, mesmo assim, temos muito a comemorar.
Os legisladores brasileiros tiveram o mérito de captar o melhor do modelo dos três pilares, adotado quase que universalmente, que combina três previdências: uma básica administrada pelo Estado, outra oferecida por fundos de pensão criados ou instituídos por empresas ou entidades sindicais ou associativas e uma terceira de natureza individual. A existência de duas opções além da primeira, deve-se dizer, retira a pressão sobre o INSS, que deixa de ser o alvo único de todas as expectativas. Sorte da Previdência Social.
E sorte do Brasil como um todo, se a previdência complementar for fomentada como merece ser e como as lideranças do novo governo dizem que será. O país, sem dúvida, precisa disso. Mais de 7.000 empresas já poderiam ter criado fundos de pensão e ainda não o fizeram, com isso negando a mais brasileiros o acesso a uma aposentadoria compatível com seu nível de renda anterior. Os servidores públicos, por seu turno, precisam de um regime previdenciário que puna menos os contribuintes, hoje obrigados a bancar um déficit anual que supera os R$ 55 bilhões. De sua parte, a nação precisa desenvolver a tão necessária poupança interna, que nos anos 70 beirava 25% do PIB, depois disso caiu e nunca mais conseguiu superar a barreira dos 18% do PIB, gerando a excessiva dependência de capitais externos. E as empresas brasileiras necessitam desses recursos para financiar o crescimento da produção e do emprego, mas precisam também da nova cultura empresarial que os fundos de pensão trazem consigo, marcada pela transparência e pela democratização do capital.
Devemos, contudo, enxergar os fundos de pensão não só pelos ativos que suportam os compromissos futuros de pagamentos de benefícios, mas pela primordial função que é a garantia da dignidade da família dos trabalhadores brasileiros.
Portanto é bastante clara a direção em que devemos seguir. O incremento da previdência complementar é consenso entre empresários, estudiosos da temática previdenciária, profissionais dos vários mercados, especialistas em recursos humanos, economistas, personalidades políticas e lideranças do futuro governo. Mas é preciso que, além do sentido para o qual devemos caminhar, saibamos ver igualmente o caminho que deve ser trilhado para que cheguemos onde desejamos. E, quanto a isso, talvez não haja muito o que discutir, uma vez que a experiência internacional é muito clara a esse respeito.
A exemplo dos países que têm as economias mais desenvolvidas e democráticas do planeta, capazes que são de produzir riquezas e delas fazer participar seus trabalhadores, o Brasil deve adotar políticas públicas fortemente comprometidas com o fomento da tão indispensável poupança previdenciária. E, para chegar lá, três ingredientes são absolutamente fundamentais: regime tributário adequado, regras estáveis e, em terceiro lugar, legislação enxuta para não gerar burocracia e custos excessivos.
Cada um desses ingredientes parece óbvio. Não cabe tributar a renda de investimento por pelo menos dois motivos: o primeiro é que o imposto já recai sobre o valor das aposentadorias e, sendo assim, qualquer tentativa de cobrar o tributo em um segundo momento equivaleria a desestimular o crescimento ou a práticas tributárias inadequadas. Ainda mais porque, ao garantir dignidade de vida ao aposentado ou a sua família, essas pessoas são mantidas no mercado consumidor, garantindo o crescimento econômico, a geração de empregos, o pagamento de tributos etc.
A segunda razão, mostra estudo concluído no mês passado pela Fundação Getúlio Vargas, é que não há quase país de economia central, ou mesmo periférica, que assim puna a formação da poupança interna.
Estabilidade de regras é outra verdade difícil de não ver. Pessoas que poupam ao longo de duas, três ou quatro décadas simplesmente não podem ser vítimas de sobressaltos no meio de seu longo caminho, mudanças erráticas nas regras com o jogo em andamento. Especialmente na previdência complementar, o respeito aos contratos deve ser absoluto, um axioma ao qual todos devem se curvar. Na mesma linha de raciocínio, não cabe construir uma regulamentação detalhista que, por seus custos muito superiores aos benefícios que pode trazer, termine por afastar empresas, sindicatos e associações da missão que têm de criar ou instituir fundos de pensão.
Falta, portanto, muito pouco. Desfeito o nó tributário, concluída com equilíbrio e técnica a redação das últimas regras que ainda resta elaborar e corrigidos alguns equívocos cometidos nessa tarefa ao mesmo tempo em que consagrada a estabilidade de regras como valor a ser permanentemente respeitado, as condições prévias estarão dadas para que os fundos de pensão ingressem em um novo ciclo de crescimento. E, junto deles, o Brasil.


Fernando Antônio Pimentel de Melo é presidente da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar.


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