São Paulo, sábado, 24 de janeiro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ARTIGO

Fala de Obama causa ansiedade

PAUL KRUGMAN
DO "NEW YORK TIMES"

COMO QUALQUER pessoa que preste atenção às notícias financeiras e de negócios, estou em estado de alta ansiedade econômica.
Como qualquer pessoa de boa vontade, eu esperava que o discurso de posse do presidente Obama oferecesse reconforto e que sugerisse que o novo governo tem a situação sob controle. Mas não foi isso que aconteceu. Quando a terça-feira acabou, eu me sentia ainda menos confiante quanto à direção da política econômica do que era o caso no começo do dia.
Não havia coisa alguma de horrivelmente errada no discurso ainda que, para aqueles que esperam que Obama abra caminho para um sistema universal de saúde, tenha sido decepcionante que ele só mencionasse o custo excessivo da saúde, sem se referir às pessoas desprovidas de cobertura. Além disso, seria de esperar que os redatores do pronunciamento encontrassem algo mais inspirador do que apelar por "uma era de responsabilidade", exatamente a mesma coisa, desconsiderados detalhes, à qual o ex-presidente George W. Bush apelou há oito anos.
Mas meu verdadeiro problema quanto ao discurso, no que tange à economia, é que ele tenha sido tão convencional. Em resposta a uma crise econômica sem precedentes -ou, mais precisamente, a uma crise cujo único precedente real é a Grande Depressão-, Obama fez o que as pessoas costumam fazer em Washington quando desejam parecer sérias: falou sobre a necessidade de fazer escolhas difíceis e resistir aos interesses especiais.

O que faltou
Isso não basta. E, na verdade, nem mesmo pode ser definido como correto. Em seu discurso, por exemplo Obama atribuiu a crise econômica ao nosso "fracasso coletivo em fazer as escolhas difíceis que prepararão o país para uma nova era", mas não faço ideia do que ele queria dizer com isso. A crise atual foi causada acima de tudo por um setor financeiro completamente descontrolado. E, se fracassamos em tomar as rédeas desse setor, não foi porque os norte-americanos se recusaram "coletivamente" a fazer escolhas difíceis. O público dos Estados Unidos não fazia ideia do que estava acontecendo, e as pessoas que sabiam consideravam, quase todas, que a desregulamentação era uma ótima ideia.
Ou considerem a seguinte declaração de Obama: "Nossos trabalhadores não são menos produtivos hoje do que eram quando a crise começou. Nossas mentes não são menos inventivas, nossos bens e serviços não são menos necessários do que eram uma semana, um mês ou um ano atrás. Nossa capacidade continua a mesma. Mas o tempo de nos mantermos impassíveis, de proteger interesses estreitos e adiar decisões desagradáveis -esse tempo certamente ficou para trás".
A primeira parte do trecho quase certamente pretendia parafrasear palavras escritas por John Maynard Keynes quando o mundo estava mergulhando na Grande Depressão e foi um grande alívio, depois de décadas, ouvir um novo presidente citando Keynes, ainda que indiretamente. "Os recursos da natureza e das máquinas humanas", escreveu Keynes, "são tão férteis e produtivos quanto no passado. O ritmo de nosso progresso quanto à solução dos problemas materiais da vida não é menos rápido. Somos tão capazes quanto antes de propiciar um padrão de vida elevado a todos... Mas hoje nos vemos apanhados em uma colossal confusão, tendo falhado no controle de uma máquina delicada cujo funcionamento não compreendemos".
No entanto, algo se perdeu na tradução. Tanto Obama como Keynes afirmam que estamos fracassando em usar nossa capacidade econômica. Mas a percepção de Keynes -a de que estamos em uma "confusão" que precisa ser resolvida- foi de alguma maneira substituída por uma fórmula padrão que atribui a culpa a todos e apela por rigor das pessoas para consigo mesmas.

Exemplo de Hoover
Lembre-se: Herbert Hoover não tinha problemas quanto a tomar decisões desagradáveis; ele teve a coragem e a vontade política necessárias de cortar as despesas e elevar os impostos mesmo diante da Grande Depressão. Infelizmente, isso fez com que as coisas piorassem.
Mesmo assim, um discurso é apenas um discurso. A equipe econômica de Obama certamente compreende a natureza extraordinária da confusão que estamos enfrentando. Assim, o tom do discurso da terça-feira talvez pouco signifique sobre as políticas futuras do governo.
Por outro lado, como disse seu predecessor, é Obama que decide. E ele terá de tomar algumas sérias decisões, e logo. Terá, especialmente, de decidir o quanto ousará em suas medidas de sustentação ao sistema financeiro, cujas perspectivas se deterioraram de forma drástica a ponto de levar número surpreendente de economistas, nem todos os quais particularmente liberais, a argumentar que a solução da crise pode requerer a estatização temporária de alguns grandes bancos. Obama estará pronto para isso? Ou as platitudes de seu discurso de posse são sinal de que ele esperará que os acontecimentos convençam os agentes quanto às mudanças necessárias? Se for esse o caso, seu governo enfrentará um atraso perigoso em todas as suas ações.
E não é essa a posição que desejamos para a nova equipe. A crise econômica está se agravando e se tornando mais difícil de resolver, a cada semana. Caso não tomemos medidas drásticas, e logo, podemos nos ver perdidos nessa confusão por muito tempo.

PAUL KRUGMAN , economista, é colunista do "New York Times" e professor na Universidade Princeton (EUA).
Tradução de PAULO MIGLIACCI



Texto Anterior: Economia britânica tem maior retração desde 1980
Próximo Texto: Obama negocia mudanças em pacote
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.