São Paulo, terça-feira, 24 de fevereiro de 2004

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LUÍS NASSIF

O risco do bingo federal

Na semana passada, em pleno tiroteio após a medida provisória que proibiu o funcionamento do bingo no país, o deputado federal petista Gilmar Machado questionou a alegação de que a medida visava combater as máfias italiana e espanhola que atuam na área, sustentando que iria favorecer a GTech, que -segundo ele- pertence a grupos que atuam em Las Vegas.
Esse é apenas um ensaio da encrenca montada com essa idéia de federalizar o jogo -ou "estatizar", como se queira. Ainda não caiu a ficha do governo Lula sobre essa temeridade de oficializar o bingo depois de um escândalo que só não desestabilizou o regime porque a ninguém interessa a crise.
A guerra de máfias é apenas um dos aspectos da história. Na hora de oficializar a atual estrutura do bingo nas normas da Caixa Econômica Federal, o potencial de escândalo será enorme. Ou se acha possível enquadrar o setor nas margens civilizadas de rentabilidade de uma casa lotérica normal?
O aspecto essencial é outro. A oficialização do bingo está sendo encarada como mais uma dessa infindável lista de medidas parafiscais destinada a sugar mais ainda recursos do país. Só que, agora, da forma mais miserável e anti-social possível, explorando a compulsão de viciados.
Dêem uma folga ao país! O novo coordenador político do governo, Aldo Rebelo, citou o caso de uma mercearia que, depois que passou a abrigar uma máquina de videopôquer, viu parte do dinheiro da clientela migrar de alimentos para o vício.
No plano da saúde pública, o bingo, a roleta, as máquinas de videopôquer são mil vezes mais nocivos que as diversas formas de loteria ou mesmo o jogo de bicho. As demais formas não viciam, não exploram a compulsão. O sujeito vai até a loja, compra o bilhete e volta para casa. Já o carteado, o cassino, o bingo trabalham em cima do vício, da compulsão, das horas em torno da mesa ou das máquinas, da perda dos limites de tempo de dinheiro.
Se Lula quiser voltar a entender um pouco do seu povo, sugiro que saia do Palácio e das inaugurações e visite algumas das muitas associações de apoio aos viciados em bingo que tentam, por meio do esforço individual de cidadãos abnegados, combater uma praga que há quase dez anos arruína famílias, pessoas no país.
Não se embarque nos diversos argumentos brandidos em defesa da manutenção do jogo. O primeiro é o de que, se não houver bingo oficial, os clientes irão atrás de bingo clandestino. Ora, a armadilha letal do bingo é ser confundido com diversão corriqueira, plantado em meio a regiões densamente habitantes. Ilegal, inibirá parte relevante da clientela, seja pelo risco da clandestinidade, seja porque terá que se mudar para regiões distantes.
A outra questão é a do emprego dos atuais funcionários das casas de bingo. No início do ano, a nova Cofins incidiu como uma bomba sobre o setor de serviços -o maior empregador- e não houve essa grita. Que tal o governo criar uma política de redução de impostos a empresas de serviço que empreguem desempregados do bingo?

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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