São Paulo, domingo, 24 de fevereiro de 2008

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JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN

Mais notícias ruins do Primeiro Mundo


O anúncio do divórcio entre os desempenhos das economias européia e americana parece ter sido prematuro

O NOTICIÁRIO econômico do Primeiro Mundo na semana que passou não foi nada animador. O Federal Reserve, o banco central americano, baixou em 0,5 ponto percentual a sua previsão para o crescimento do PIB daquele país em 2008, que agora espera ser entre 1,3% e 2%. A divulgação de que o índice de preços ao consumidor aumentou 0,4% em janeiro levantou o fantasma da estagflação; a combinação de recessão e inflação, se é bastante familiar para nós, brasileiros, foi vista pela última vez nos Estados Unidos na década de 70.
Ao mesmo tempo, a comissão econômica da União Européia cortou a sua previsão de crescimento para este ano na zona do euro de 2,4% para 1,8%. A comissão também anunciou que a inflação na Europa provavelmente permaneceria acima da sua meta de 2% ao ano. O anúncio do divórcio entre os desempenhos das economias européia e americana, feito por alguns bancos de investimento, parece ter sido prematuro. O sistema bancário mundial sofreu mais um baque com a divulgação de que o Credit Suisse, o banco de Zurique que parecia ter escapado das piores conseqüências da crise do "subprime", havia descoberto uma perda de US$ 2,8 bilhões. O caso do Credit Suisse demonstra um dos obstáculos que o sistema bancário enfrenta para dimensionar o verdadeiro tamanho do seu prejuízo: muitos dos instrumentos de crédito com problemas têm um mercado pouco ativo e ninguém sabe exatamente qual o seu preço. Essa mesma ambigüidade permite que um "trader" manipule o valor de sua carteira para retardar o conhecimento do estrago pelos seus supervisores.
E, no mercado de títulos corporativos de alto rendimento, conhecidos como "junk bonds", anunciou-se nesta sexta-feira que o valor dos títulos que não pagaram quando do vencimento neste ano que apenas começa já supera o valor correspondente em todo o ano de 2007.
Provavelmente porque acreditam que o sistema bancário está em dificuldades, os participantes nos mercados de juros continuam a apostar na fraqueza da economia americana. Os papéis do Tesouro americano com prazo de dois anos estão rendendo apenas 2% ao ano, muito abaixo da inflação e mesmo da taxa "overnight", porque os investidores esperam que o Fed prossiga com a política de corte de juros por ainda algum tempo, na tentativa de reanimar uma economia moribunda. Os mercados futuros indicam uma quase certeza de que o banco central dos Estados Unidos, na sua próxima reunião, em 18 de março, vai cortar mais uma vez os juros.
Na direção contrária, os preços das matérias-primas continuam em alta. Isso pode ser uma indicação de que, apesar da desaceleração nos EUA, na Europa e no Japão, a economia mundial é capaz de continuar a crescer, impulsionada pela China e pela Índia. Mas outra hipótese é que as matérias-primas estejam servindo de refúgio para uma liquidez excessiva na mão de investidores aversos ao risco. Um dos sinais de uma bolha é o aumento do volume de transações no mercado de um ativo. Durante a bolha da internet, as ações de alta tecnologia representavam apenas 6% do valor das Bolsas americanas, mas mais de 20% do volume transacionado. E os volumes negociados nos contratos futuro em diversas matérias-primas têm aumentado muito rapidamente.
Para o Brasil, a alternativa de que o crescimento mundial continue é muito melhor, mas a boa notícia é que, de qualquer maneira, os melhores fundamentos deixam o país mais resistente a uma crise internacional.


JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN , 59, professor de economia na Universidade Princeton (EUA), escreve quinzenalmente aos domingos nesta coluna.
jose.scheinkman@gmail.com


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