São Paulo, terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

BENJAMIN STEINBRUCH

País descolado


Feitas as lições de casa, como reduzir o juro, o barco brasileiro poderá atravessar o período de tormenta global sem afundar

UM ANO atrás, em pleno Carnaval, a economia brasileira fazia um voo de cruzeiro, crescendo a uma taxa anual próxima de 6%. Estava em evidência a tese do "decoupling" (descolamento), segundo a qual a crise americana, iniciada em agosto de 2007 com o estouro do crédito hipotecário, teria efeito pouco importante nos países emergentes.
Até setembro do ano passado, prevaleceu essa ideia. Para o Brasil, na base desse raciocínio estava a análise de crises anteriores. Sempre que os EUA entraram em recessão, nos últimos 30 anos, o Brasil seguiu o mesmo caminho, com alguma defasagem no tempo. Havia, porém, uma ressalva. Nas recessões dos anos 80 e 90, por exemplo, um fator preponderante prejudicou o Brasil: o aumento do preço do petróleo. Como o país tinha grande dependência do óleo importado, acabou sendo estrangulado pela elevação abrupta dos custos das importações. E a economia se contraiu.
Desta vez, diziam os defensores da tese do descolamento, embora o petróleo tivesse tido também um forte aumento, até quase US$ 150 o barril, o Brasil possuía três antídotos: superávit comercial elevado, reservas monetárias próximas de US$ 200 bilhões e produção de óleo nacional praticamente suficiente para atender a toda a demanda interna. Mais tarde, o preço do petróleo caiu, está hoje em torno de US$ 40 e definitivamente deixou de ser um problema.
A tese do descolamento começou a ser abandonada, em setembro, após a quebra do Lehman Brothers e o dramático agravamento da situação de outros grandes bancos americanos e europeus. Isso provocou o fechamento das linhas de crédito internacionais, com forte reflexo no mercado interno no último trimestre do ano passado. Parecia claro que a teoria do descolamento não tinha consistência, porque a economia real se deteriorou rapidamente nos países emergentes, inclusive o Brasil, com quedas generalizadas de produção.
O ano de 2009 começou com essa sensação. Mas, no Brasil, a reação da produção em alguns setores importantes em janeiro e fevereiro, como a indústria automobilística, trouxe novas informações para os analistas. Alguns economistas retomaram a ideia de que o descolamento parcial da economia brasileira vem sendo observado na prática, não só em relação à americana e à europeia, mas também na comparação com outros emergentes.
Na visão do mercado, o crescimento brasileiro depende pouco das exportações e pode ser bastante sustentado pelo seu mercado interno. Além disso, o país conta com um sistema financeiro sólido e com grandes bancos estatais, como o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, o Banco do Nordeste e o BNDES, que vêm sendo compulsoriamente empurrados a manter a oferta de crédito. Aquilo que era defeito nos tempos da desestatização neoliberal virou virtude na crise.
Em plena folia de Carnaval, é bom ouvir analistas de outros países dizerem que o Brasil pode ser alternativa para investidores que buscam refúgio para seus capitais. Isso não significa que o país esteja imune à hecatombe global -já sofre muito com ela. Indica apenas que, feitas as lições de casa -desoneração tributária, estímulo radical ao mercado interno, investimento público sem restrições em infraestrutura e, principalmente, redução drástica dos juros-, o barco brasileiro poderá atravessar o período de tormenta mundial sem afundar. Bom fim de Carnaval a todos.


BENJAMIN STEINBRUCH , 55, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

bvictoria@psi.com.br


Texto Anterior: Obama quer cortar déficit em 50% até 2013
Próximo Texto: Programa de Obama quer evitar estatização de banco
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.