São Paulo, terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

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agrofolha

Cadeia da cana perde R$ 10 bi em 2 anos

Apesar da elevação da moagem em 83 milhões de toneladas, usinas do setor mantêm mesmo faturamento de 2006/07

Queda de preços expõe fragilidade do setor, que precisa de mudança na comercialização e na política de financiamentos


MAURO ZAFALON
DA REDAÇÃO

Os preços do álcool não reagem e o setor sucroalcooleiro paulista sai desta safra com perdas de R$ 10 bilhões, acumulados em duas safras. Um momento ruim para perdas já que houve aumento da área de cana plantada, expansão do parque industrial e elevação do endividamento no setor.
A reação nos preços é o alívio de que produtores e usineiros necessitam para amenizar a falta de crédito, acentuada com a crise econômica mundial.
Na semana passada, ao contrário da tendência normal para a entressafra, os preços do álcool voltaram a cair. Em média, as usinas paulistas venderam o hidratado -utilizado diretamente no tanque- a R$ 0,7279 por litro, sem impostos, conforme pesquisa do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada).
O anidro -misturado à gasolina-, também em queda, foi comercializado a R$ 0,8275 por litro. Em duas semanas, o hidratado soma queda de 11,3% nas usinas, segundo o Cepea.
"Perdem todos com essa queda, tanto produtores como usinas", diz Antonio de Padua Rodrigues, diretor técnico da Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar).
Se produtores e usineiros não sentem a recuperação dos preços da matéria-prima, os usuários do combustível nos postos também não veem muita retração nos valores.
Pesquisa semanal feita pela Folha em 50 postos da capital paulista mostra que, apesar de leves quedas de preços em alguns estabelecimentos, outros ainda mantêm tendência de alta. Na média, o litro de álcool caiu para R$ 1,405 na semana passada, ante R$ 1,408 na anterior. O repasse da baixa para o consumidor é sempre mais demorado do que o da alta.

Sem remuneração
Essa perda de R$ 10 bilhões nas duas últimas safras ocorre porque "o preço não é suficiente para remunerar a atividade", segundo Padua. Para manter a atividade, a lavoura tem de renovar pelo menos 20% do canavial todo ano e as indústrias devem fazer uma revisão do parque industrial.
"O lucro da atividade não veio e o setor foi obrigado a ir ao mercado financeiro, dando no que deu", afirma ele. Desses R$ 10 bilhões, 61% são prejuízos na fase agrícola da atividade e outros 39%, na industrial.
Padua explica a origem desse "lucro que não veio". O faturamento atual do setor é o mesmo de há duas safras, mas nesta última (2008/09) a moagem de cana atinge 345 milhões de toneladas, ante apenas 262 milhões na de 2006/07.
Em 2006/07, o setor moeu 262 milhões de toneladas, com faturamento na usina de R$ 85 por tonelada de cana moída, ou seja, R$ 22,3 bilhões. Nesta safra, o preço médio é de R$ 65,5, o que deve render R$ 22,6 bilhões, mas com 345 milhões de toneladas moídas. "O setor aumentou a moagem em 83 milhões de toneladas e está faturando o mesmo de quando essa moagem era de 262 milhões", diz Padua.
A perda de renda desta safra que se encerra será de R$ 5,6 bilhões, enquanto a da anterior ficou em R$ 4,4 bilhões nos cálculos do diretor da Unica.
Com custo de produção elevado, a renda da cana moída não remunerou o capital investido. "A renda da tonelada de cana moída [que resulta em álcool e açúcar] deveria ter sido de R$ 80 a R$ 85 para as indústrias nestas duas últimas safras, mas ficou em R$ 65."
Padua diz que não há explicações para essa queda nos preços do álcool em plena entressafra e em uma semana que antecede o Carnaval, período de grande consumo.
Algumas usinas ainda mantêm a produção, mas com baixa produtividade. Além disso, as pressões de caixa diminuíram nesse período, o que leva as usinas a colocarem menos álcool no mercado. A oferta de álcool aumentou nesta safra, mas a demanda também cresceu com as vendas de carros flex.
Os estoques do início de fevereiro eram de 5 bilhões de litros, sendo que o consumo mensal gira próximo de 1,8 bilhão. As usinas vão ter de antecipar bem a produção de março e abril para atender a demanda de maio, segundo Padua.

Fragilidade
A queda de preços, em plena entressafra, mostra "a fragilidade do setor". Há muitos vendedores, que correm todos os riscos, e poucos compradores, "sem riscos", segundo Padua. Na avaliação dele, serão necessárias mudanças profundas tanto na comercialização como na política de financiamento.
"A comercialização ocorre só no mercado spot, sem contratos futuros. É preciso fazer os contratos futuros na BM&F funcionarem para que o produtor faça hedge [proteção]. Se continuar assim, só o produtor corre risco", diz Padua.
Para o diretor da Unica, são necessárias medidas também na política de financiamento, tanto de safra como de estoques. A falta de crédito já gera preocupação com a próxima safra. As usinas poderão ser obrigadas a desovar ainda mais a produção para fazer caixa.


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