São Paulo, domingo, 24 de março de 2002

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ARTIGO

As falsas esperanças da taxa Tobin

 Precisamos jogar areia nas engrenagens bem azeitadas James Tobin, economista

MARTIN WOLF
DO "FINANCIAL TIMES"

Para além do mundo acadêmico, James Tobin, o economista laureado com o Nobel que morreu neste mês, é conhecido principalmente pela "taxa Tobin" -plano para dificultar a especulação cambial proposto há 30 anos. Por muito tempo ignorada, a proposta voltou à vida nos anos 90 e entrou na agenda da Conferência sobre o Financiamento do Desenvolvimento que aconteceu em Monterrey, México, na semana passada.
Os defensores da idéia classificam a taxa como "um imposto Robin Hood", que tira dos ricos improdutivos e dá aos pobres sofredores. O plano tem dois elementos: um modesto imposto sobre as transações internacionais de câmbio e o uso dos proventos por alguma organização internacional para financiar causas dignas, como o combate à pobreza.
Um recente estudo da Comissão Européia apontou que uma taxa entre 0,01% e 0,1% sobre o valor das transações cambiais arrecadaria de US$ 20 bilhões a US$ 200 bilhões ao ano. O financiamento oficial ao desenvolvimento ficou bem longe disso. Totalizou apenas US$ 66 bilhões em 2000. No entanto, os méritos da taxa e o uso de seus proventos são duas questões distintas. De fato, quanto mais sucesso ela tiver em eliminar a especulação, menos dinheiro gerará para as causas que seus defensores tanto amam.
Três questões se apresentam. O plano é viável? É desejável em termos econômicos? E é desejável em termos tributários?
Comecemos, portanto, com a viabilidade. Historicamente, mesmo as pessoas que favorecem a idéia acreditam que ela seria impossível na prática sem o apoio de todas as jurisdições envolvidas. Rodney Schmidt, um analista financeiro canadense, argumentou que é possível tributar transações cambiais por meio do sistema de pagamentos existente.
A tecnologia e as instituições hoje disponíveis permitem, argumenta Schmidt, "identificar e tributar os pagamentos brutos em moeda estrangeira, qualquer que seja o instrumento financeiro empregado na transação, onde quer que as partes estejam localizadas e sempre que pagamentos correlatos forem realizados".
Os sistemas de pagamento sempre envolvem um pequeno número de bancos dos grandes centros financeiros, estreitamente relacionados aos bancos centrais de seus países. Essas instituições não podem se transferir para fora de seus países, não importa onde as transações de que participam estejam localizadas. Em essência, os bancos centrais se tornariam arrecadadores de impostos.
Neste caso, seria possível recolher a taxa mesmo que uma das jurisdições não estivesse de acordo. Por definição, qualquer transação do gênero envolve duas moedas. Seria viável taxar as transações de euro/dólar apenas na ponta européia. A viabilidade, portanto, não parece ser uma questão tão importante.
E o desejo do ponto de vista econômico? Para os críticos, a questão é simples. "A natureza da especulação é desestabilizadora", diz o grupo de pressão britânico War on Want (Guerra Contra a Carestia). Isso é pura besteira. A especulação é um ingrediente essencial à eficiência dos mercados.
O argumento em favor da taxa precisa ser mais sutil. A taxa envolve o bruto das transações. Pesa mais sobre as transações de curto prazo do que sobre as de prazo mais longo. Esse resultado, alegam os defensores, eliminaria o elemento de curto prazo menos válido no giro dos mercados, estimado em US$ 1,2 trilhão ao dia.
Aceitemos, por enquanto, que os mercados são vulneráveis a bolhas e manias. Nesse caso, a taxa proposta não melhoraria as coisas, apenas reduziria a liquidez.
As transações de curto prazo exploram oportunidades pequenas de lucrar com diferenciais entre mercados e instrumentos. Essas oportunidades não promovem os grandes desalinhamentos que mais preocupam os críticos. O defeito, em lugar disso, é a ausência de especulação de longo prazo contra as tendências do mercado.
A taxação, como é proposta, não salvaria as taxas fixas de câmbio de um eventual colapso. Um tributo minúsculo sobre as transações é irrelevante quando existe uma chance significativa de desvalorização de 10% no dia seguinte. O máximo que o imposto poderia fazer seria aumentar modestamente o espaço de manobra da política monetária nacional.
Os proponentes dão grande importância aos problemas enfrentados pelas vítimas das crises financeiras nos países em desenvolvimento. Mas a taxa Tobin não teria impedido essas crises. Contra esses colapsos seriam mais relevantes medidas que limitassem a acumulação de passivos de curto prazo em moeda estrangeira, em países com âncora cambial.
Ciente das ineficiências da taxa Tobin em momentos de crise cambial, o economista alemão Paul-Bernd Spahn sugeriu a imposição de tributos proibitivos quando as moedas atingirem os limites de certas zonas de flutuação predefinidas. Trata-se de proposta bem diferente. Só faz sentido para quem acredita em estabilidade cambial a qualquer custo.
A terceira questão: a taxa é uma maneira válida de financiar o desenvolvimento? Cabe aqui outra pergunta: por que esse "imposto invisível" específico iria persuadir os países ricos a transferir mais capital para o desenvolvimento do que agora? Se eles concordassem com uma taxa sobre as transações cambiais, é provável que usassem a receita para seus propósitos prioritários. Acima de tudo, a tributação requer um processo político legítimo e compartilhado. Isso não existe em nível mundial e não vai ser criado por meio da invenção de um determinado imposto.
Quais são as conclusões? A taxa pode ser viável e arrecadaria algum dinheiro. Mas é impossível determinar se estabilizaria taxas de câmbio entre países avançados. De qualquer maneira, não impediria crises cambiais e financeiras; não garantiria assistência firme ao desenvolvimento; e não criaria um regime fiscal mundial.
Portanto, trata-se de uma campanha equivocada. Reduzir a frequência das grandes crises financeiras e aumentar o financiamento ao desenvolvimento são objetivos dignos, mas esses pássaros deveriam ser mortos com duas pedras diferentes e bem dirigidas.


Tradução de Paulo Migliacci


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