São Paulo, sexta-feira, 24 de março de 2006

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PÚBLICO X PRIVADO

Kirchner diz que "direitos fundamentais" vêm antes de relações bilaterais; Paris quer indenização da empresa

Reestatização eleva tensão França-Argentina

FLÁVIA MARREIRO
DE BUENOS AIRES

"Queremos que venha muito investimento, mas também queremos resguardar os direitos fundamentais das pessoas", afirmou ontem, em ato público, o presidente argentino, Néstor Kirchner.
Foi o segundo dia de discursos de Kirchner para defender sua decisão de reestatizar o serviço de água e esgoto da Grande Buenos Aires -até a última terça a cargo de uma concessionária controlada pela empresa francesa Suez- e uma resposta ao governo de Jacques Chirac, que cobrou do governo argentino "segurança jurídica" para os investimentos da França no exterior.
"Tenho muito respeito pelo povo da França, pela nação francesa e pelo presidente Chirac, mas que fique claro que não estou disposto, para que nos visite um presidente ou que para que a Chancelaria fique tranqüila, fechar os olhos e permitir que se contaminem as águas que tomam os argentinos", continuou.
As declarações sobem o tom da contenda diplomática entre Argentina e França em torno da Suez. A Casa Rosada rompeu o contrato com a Aguas Argentinas alegando má qualidade da água -um suposto elevado nível de nitrato em algumas regiões- e o não cumprimento de metas de investimento e universalização de distribuição e saneamento.
Kirchner fez, no discurso, referência às visitas de Chirac a países da América do Sul, no próximo mês. Ele vai passar pelo Brasil, pelo Chile e pelo Uruguai, mas não pela Argentina. O motivo da exclusão já seria a disputa do governo com a Suez, que se arrastava havia mais de três anos.
Em declarações anteontem, o porta-voz da Chancelaria francesa defendeu o direito da empresa de cobrar dos argentinos o US$ 1,7 bilhão investidos no país no tribunal de arbítrio internacional mantido pelo Banco Mundial. A Suez alega que, pelo congelamento de tarifas imposto pelo governo desde 2002, é o governo argentino quem não cumpriu o trato.
Não é a primeira empresa da França a ir embora da Argentina, por rescisão de contrato de concessão por supostas falhas no serviço. Em janeiro de 2004, o governo anulou o contrato que concedia à francesa Thales Spectrum o serviço de radar. A empresa não teria investido o acordado -US$ 300 milhões entre 1997 e 2003.
O caso foi para na Justiça. Executivos da Thales respondem pela acusação de terem pago propina de US$ 25 milhões a integrantes do governo Carlos Menem (1989-1999) para ficar com a concessão. A empresa nega.
Apesar da tensão com a França, no caso da telefonia, depois de anos de discussão, o governo conseguiu chegar a um acordo com as concessionárias. Em fevereiro Telefônica e Telecom concordaram em congelar suas ações milionárias contra a Casa Rosada no Banco Mundial em troca de autorização de aumentos em tarifas de serviços pontuais.
A Aguas Argentinas era responsável pelo abastecimento e serviços de esgoto de 12 milhões de pessoas de Buenos Aires e região metropolitana (cerca de um terço da população do país).
Ontem, um prefeito de uma cidade da Grande Buenos Aires apresentou uma ação na Justiça contra a empresa por contaminação da água por elevados níveis de nitrato.


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