São Paulo, segunda-feira, 24 de março de 2008

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Consumo da baixa renda pressiona grandes empresas

Companhias têm de criar produtos voltados às classes C, D e E, que já são 50% do mercado

Ameaçados pelo avanço de marcas mais "populares", fabricantes estão tendo de fazer com que seu produto "caiba no bolso" desse público

Filipe Redondo - 19.mar.08/Folha Imagem
Loja de calçados Mundial, reformada para agradar à classe C

JULIO WIZIACK
DA REPORTAGEM LOCAL

A explosão de consumidores de baixa renda nos últimos cinco anos está colocando em xeque as grandes empresas no Brasil. Antes, elas determinavam o consumo dos clientes, principalmente os de renda mais alta. Agora, são os consumidores de baixa renda que definirão os rumos dos negócios.
"Quem não estiver alinhado com essa realidade provavelmente estará fora do mercado nos próximos anos", afirma Ivan Zurita, presidente da Nestlé no Brasil, que investiu R$ 300 milhões nos últimos três anos para criar uma divisão destinada à baixa renda.
Segundo a consultoria Data Popular, as classes C, D e E já respondem por metade do consumo nacional, já que sua renda é destinada integralmente aos gastos familiares. Sozinha, a classe C é responsável por 30% do consumo. Há cinco anos, a participação das três classes sociais era de 48%.
"A classe C foi a que registrou maior expansão da renda," diz o demógrafo Haroldo Torres, diretor da Data Popular. Entre 2002 e 2007, ela teve um acréscimo de renda de R$ 79,5 bilhões. Nas classes D e E, esse ganho foi de R$ 38,7 bilhões.
Os critérios de classe adotados pela Data Popular são os mesmos do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), que levam em conta a faixa salarial. Entretanto os pesquisadores da consultoria ajustaram os dados de renda até julho de 2007 porque, no período considerado, o salário subiu acima da inflação.

Limitações
Apesar das potencialidades, as grandes empresas resistem à baixa renda. André Torreta, diretor da A Ponte, empresa que faz pesquisa de mercado na baixa renda, considera que o preconceito é a maior barreira.
"Muitas companhias temem destruir sua marca ao vender um produto das classes A e B para a classe C", afirma Torreta. "Mas elas sabem que serão forçadas a entrar nesse ramo."
A Folha apurou que há empresas enfrentando crises internas. A líder no segmento de beleza estaria diante de um dilema: seus produtos, destinados para as classes A e B, invadiram os lares de baixa renda há dois anos. Sem uma estratégia de marketing e propaganda adequada para esse público, ela acabou perdendo terreno para a sua principal concorrente, que ajustou sua operação de venda, conquistando os clientes de menor poder aquisitivo.
Um consultor que pede para não ser identificado afirma que a Deca, que desenvolve artigos para redes hidráulicas, poderia estar faturando mais se tivesse criado produtos para a baixa renda. Agora, ela se depara com a perda de vendas para a Docol.
Um levantamento inédito da consultoria BCG (The Boston Consulting Group) revela que, no longo prazo, as grandes corporações poderão não sobreviver à expansão da baixa renda, caso persistam com o mesmo modelo de negócio.
"As empresas têm de fazer seus produtos caberem no bolso dos mais pobres", afirma Jorg Funk, diretor da BCG. "É verdade que as classes A e B continuarão comprando, mas, a partir de agora, o crescimento das vendas depende das classes C, D e E."
Para fazer o estudo, a BCG realizou 15 mil entrevistas no mundo. No Brasil, foram 2.000 entrevistas em todas as regiões do país. "Fomos até em favelas para conhecer os hábitos de compra dos brasileiros", diz Funk. "Esse consumidor busca qualidade."
É por isso que redes como a Mundial, que vende calçados em São Paulo, estão investindo na sofisticação para a baixa renda. Para isso, eles contrataram a construtora Souza Lima, que fez restaurantes e lojas de grife no bairro nobre dos Jardins, para "repaginar" suas unidades localizadas nas regiões da periferia.


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