São Paulo, sexta-feira, 24 de maio de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Política e economia

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

As próximas eleições presidenciais serão decididas fundamentalmente por fatores econômicos. As pesquisas de opinião que estão sendo realizadas quase semanalmente mostram que 70% dos entrevistados querem mudanças na economia. A falta de crescimento dos últimos anos e o aumento do número de brasileiros fora do mercado de trabalho vêm provocando uma queda contínua nos salários reais. Trabalhadores e sindicatos têm sido obrigados a privilegiar a manutenção dos postos de trabalhos em detrimento dos aumentos que mantenham constante o valor de compra dos salários. Além disso, o aumento superior à inflação média das tarifas de energia elétrica e de outros serviços públicos fez com a queda da parcela dos salários disponíveis para consumo fosse ainda maior. "Last but not the least", os juros estratosféricos cobrados no crédito pessoal têm limitado ainda mais a capacidade de consumo da sociedade. Não fica difícil entender, portanto, a tendência oposicionista dos eleitores.
Comentando recentemente um estudo do IBGE sobre o padrão de consumo dos brasileiros nos últimos anos, o presidente Fernando Henrique disse não entender a malaise atual dos brasileiros diante de indicadores que mostram uma clara melhoria da qualidade de vida durante seu período de governo. A explicação é muito simples: houve uma melhora no estoque de bens de consumo do brasileiro médio durante o primeiro mandato de FHC, mas a renda dos últimos anos colocou um freio nesse processo. A malaise deriva, portanto, da percepção clara de que o padrão de vida do brasileiro médio estagnou. "Não temos futuro", disse um dos entrevistados em uma dessas pesquisas.
Essa decepção não está limitada aos cidadãos consumidores. Mesmo os empresários, médios e pequenos principalmente, dos mais diversos setores de produção estão a pedir mudanças. Espremidos entre seus clientes sem poder de compra e custos financeiros elevadíssimos, eles também não conseguem ter esperança com o futuro. Todos nós conhecemos hoje algum empresário que, talvez pela primeira vez, esteja considerando a hipótese de votar no PT. Entre uma economia organizada, com bons fundamentos, mas sem crescimento e uma tentativa nova de voltar a crescer, ainda que com enormes incertezas em relação a seus resultados, muitos vão escolher essa última hipótese. Por mais arriscada que seja.
Aparentemente, nesse início da campanha eleitoral, estamos diante de um dilema que coloca de um lado a opção por uma economia organizada e sem força e do outro por uma economia sem a disciplina necessária à estabilidade, mas com alguma chance de crescimento. Nada mais falso, meus amigos da Folha! Existe um terceiro caminho, difícil e que exige sabedoria e competência para ser trilhado, que pode levar o Brasil a um ciclo virtuoso de crescimento e ordem. Não é o chamado malanismo nem o petismo light que Duda Mendonça tenta vender na televisão. A essa outra alternativa a imprensa brasileira, quase sempre simplificadora das coisas, chamou de desenvolvimentismo. Nome falso e sem significado, mas que serviu ao ministro Pedro Malan para desclassificá-la, quando do início do segundo mandato do presidente Fernando Henrique.
Um dos maiores desafios do senador José Serra será o de retomar a construção dessa alternativa. Mostrar que seu governo vai buscar a convivência entre estabilidade e crescimento econômico e que a alternativa PT envolve riscos enormes pela falta de clareza do programa de Lula e pelas contradições entre as teses defendidas historicamente pelo partido e as necessidades de uma economia ainda em mutação como a brasileira deverá ser o centro de sua campanha. Não vejo nas eleições deste ano condições para que seu discurso seja apenas o de satanizar e desqualificar seu adversário. Será preciso antes desenvolver uma autocrítica segura e clara dos caminhos trilhados nos últimos quatro anos. Feito isso, aí, sim, ele poderá então chamar a atenção dos eleitores para a fragilidade administrativa e programática do candidato do PT.
A passagem de Serra pelo Ministério do Planejamento nos primeiros anos do longo mandato de FHC dará a seu discurso uma legitimidade importante. Enquanto ele fazia parte da equipe econômica do presidente, defendeu alternativas à política do ministro Malan. Uma visão menos ideológica do funcionamento de uma economia de mercado como a nossa; um entendimento mais realista do comércio internacional; a defesa de políticas públicas que acelerem as transformações de nosso tecido produtivo; uma preocupação mais agressiva com os níveis de juros internos e a redução de nossa dependência exagerada à entrada de recursos externos são alguns dos pontos que puseram o hoje senador por São Paulo em rota de colisão com o todo-poderoso ministro da Fazenda. Ele saiu do governo porque perdeu essa disputa. Agora, no momento em que foi escolhido como candidato oficial de FHC ao cargo de presidente da República, ele pode retomar esse seu caminho.
A polarização entre o candidato do governo e Lula vai permitir um debate mais rico e livre das fraquezas inerentes aos candidatos Garotinho e Ciro Gomes. O eleitor terá bastante tempo para avaliar vantagens e riscos das duas alternativas disponíveis durante o período eleitoral na televisão. Teremos certamente um belo momento da nossa consolidada democracia.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 59, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br


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