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BRF reacende debate sobre limite a fusões
Anos depois de grandes compras e uniões, como Brahma-Antarctica e Kolynos-Colgate, concentração aumentou em alguns mercados
Apesar das reclamações de abuso de poder econômico, setores tiveram mais inovações e investimentos, afirmam especialistas
CRISTIANE BARBIERI
DA REPORTAGEM LOCAL
A criação da BRF (Brasil
Foods), formada a partir da fusão entre Sadia e Perdigão, na
semana passada, voltou a suscitar o debate sobre se a formação de megacorporações é ou
não benéfica ao consumidor e
ao mercado. A resposta está
longe de merecer o consenso de
especialistas, órgãos de defesa
do consumidor e empresas.
A Folha levantou o que
aconteceu com setores nos
quais houve processos importantes de fusão e aquisição, como deve acontecer com a BRF.
Anos depois da compra da
Kolynos pela Colgate, da criação da AmBev com a união de
Brahma e Antarctica e da aquisição da Garoto pela Nestlé,
houve maior concentração em
alguns mercados.
Também há mais reclamações de abuso de poder econômico, constatadas em processos e investigações promovidos
pelo sistema de defesa da concorrência. Bem como nos órgãos de defesa do consumidor.
Porém todos são unânimes
ao reconhecer que os setores
tornaram-se mais dinâmicos,
com mais inovações e investimento em pesquisa e desenvolvimento. Houve também melhoria da rentabilidade das empresas, manutenção de empregos em companhias que viviam
crises sérias e até mesmo abertura do mercado de trabalho
para brasileiros no exterior.
"Essa discussão permite saber como a sociedade reage a
processos que não controla, como a globalização", afirma Milton Seligman, diretor de relações corporativas da AmBev.
"Além da importância econômica, essas empresas têm um
valor simbólico quando o Brasil, em vez de ser apenas receptor de corporações globais, torna-se ativo na exportação de
nossa cultura empresarial."
Ele diz que Brahma e Antarctica tinham, juntas, 72% de
participação de mercado e 28%
eram divididos por Kaiser e outros pequenos competidores.
"Hoje, nossos concorrentes
ocupam uma fatia de 32%.
Schincariol e Petrópolis, que tinham 8% do mercado, hoje
têm 23% de participação."
Os concorrentes, no entanto,
ressaltam que essa participação é medida em volume. Para
eles, a AmBev aumentou sua
participação percentual no valor das vendas totais no período. Segundo um competidor,
não interessa à AmBev aumentar sua fatia no volume de vendas -para não atrair as entidades antitruste e porque seria
custoso ganhar mais mercado
de baixa margem. A estratégia é
aumentar a venda de produtos
mais caros e praticar preços
acima dos concorrentes.
A AmBev argumenta que não
aumentou preços acima da inflação no período e diz cobrar
mais que a concorrência porque o consumidor percebe suas
marcas como melhores.
Os ganhos com sinergia
-sempre defendidos ardorosamente nas fusões-, entretanto, parecem não ter chegar ao
consumidor. "Tivemos gastos
com desenvolvimento de produtos que não impactaram o
preço final", diz Seligman.
Segundo Gesner Oliveira,
presidente do Cade à época da
criação da AmBev, as medidas
tomadas para neutralizar os
efeitos prejudiciais da concentração de mercado foram efetivas. A AmBev foi obrigada a
vender cinco fábricas e a marca
Bavária a concorrentes.
"A fusão permitiu o crescimento, e não a concentração de
mercado", diz Oliveira. "A AmBev é mais moderna, está em
mais mercados e emprega mais
gente do que se as duas tivessem se mantido separadas."
Há quem discorde. Arthur
Barrionuevo Filho, professor
da FGV, diz que a aprovação
não seguiu padrões internacionais e houve aumento no domínio do mercado, com efeito negativo para consumidores e
concorrentes. Há uma série de
processos recentes contra a
AmBev na SDE (Secretaria de
Direito Econômico) por abuso
de poder econômico. As principais reclamações dizem respeito a pressões feitas a fornecedores e ao varejo, para evitar o
aumento da concorrência.
"A aprovação da AmBev pelo
Cade foi tecnicamente incorreta e insuficiente", diz Lucia Helena Salgado, professora da
Uerj. "Eles venderam fábricas
obsoletas e uma marca desimportante, o que gerou resultados perversos ao consumidor."
Salgado é autora de um estudo no qual foram comparados
os efeitos no mercado após a
compra da Kolynos pela Colgate, em 1995. À época, o Cade
obrigou que a líder Kolynos
fosse retirada temporariamente do mercado. Para ela, nesse
caso houve ganho para o consumidor, com redução de preços, melhoria da concorrência
e da qualidade dos produtos.
Procuradas, Colgate e Nestlé
não responderam a pedido de
entrevista. A Nestlé enviou números que indicam ganhos para trabalhadores e mercado
com a aquisição. A empresa
questiona na Justiça a decisão
do Cade que vetou a transação.
Apesar dos números positivos, especialistas ressaltam
que, como à época havia ofertas
de competidores menores pela
Garoto, como Cadbury e Kraft
Lacta, os resultados poderiam
ter sido mais favoráveis ao consumidor se a compra pela Nestlé tivesse sido impedida.
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