São Paulo, domingo, 24 de maio de 2009

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BRF reacende debate sobre limite a fusões

Anos depois de grandes compras e uniões, como Brahma-Antarctica e Kolynos-Colgate, concentração aumentou em alguns mercados

Apesar das reclamações de abuso de poder econômico, setores tiveram mais inovações e investimentos, afirmam especialistas

CRISTIANE BARBIERI
DA REPORTAGEM LOCAL

A criação da BRF (Brasil Foods), formada a partir da fusão entre Sadia e Perdigão, na semana passada, voltou a suscitar o debate sobre se a formação de megacorporações é ou não benéfica ao consumidor e ao mercado. A resposta está longe de merecer o consenso de especialistas, órgãos de defesa do consumidor e empresas.
A Folha levantou o que aconteceu com setores nos quais houve processos importantes de fusão e aquisição, como deve acontecer com a BRF.
Anos depois da compra da Kolynos pela Colgate, da criação da AmBev com a união de Brahma e Antarctica e da aquisição da Garoto pela Nestlé, houve maior concentração em alguns mercados.
Também há mais reclamações de abuso de poder econômico, constatadas em processos e investigações promovidos pelo sistema de defesa da concorrência. Bem como nos órgãos de defesa do consumidor.
Porém todos são unânimes ao reconhecer que os setores tornaram-se mais dinâmicos, com mais inovações e investimento em pesquisa e desenvolvimento. Houve também melhoria da rentabilidade das empresas, manutenção de empregos em companhias que viviam crises sérias e até mesmo abertura do mercado de trabalho para brasileiros no exterior.
"Essa discussão permite saber como a sociedade reage a processos que não controla, como a globalização", afirma Milton Seligman, diretor de relações corporativas da AmBev. "Além da importância econômica, essas empresas têm um valor simbólico quando o Brasil, em vez de ser apenas receptor de corporações globais, torna-se ativo na exportação de nossa cultura empresarial."
Ele diz que Brahma e Antarctica tinham, juntas, 72% de participação de mercado e 28% eram divididos por Kaiser e outros pequenos competidores. "Hoje, nossos concorrentes ocupam uma fatia de 32%. Schincariol e Petrópolis, que tinham 8% do mercado, hoje têm 23% de participação."
Os concorrentes, no entanto, ressaltam que essa participação é medida em volume. Para eles, a AmBev aumentou sua participação percentual no valor das vendas totais no período. Segundo um competidor, não interessa à AmBev aumentar sua fatia no volume de vendas -para não atrair as entidades antitruste e porque seria custoso ganhar mais mercado de baixa margem. A estratégia é aumentar a venda de produtos mais caros e praticar preços acima dos concorrentes.
A AmBev argumenta que não aumentou preços acima da inflação no período e diz cobrar mais que a concorrência porque o consumidor percebe suas marcas como melhores.
Os ganhos com sinergia -sempre defendidos ardorosamente nas fusões-, entretanto, parecem não ter chegar ao consumidor. "Tivemos gastos com desenvolvimento de produtos que não impactaram o preço final", diz Seligman.
Segundo Gesner Oliveira, presidente do Cade à época da criação da AmBev, as medidas tomadas para neutralizar os efeitos prejudiciais da concentração de mercado foram efetivas. A AmBev foi obrigada a vender cinco fábricas e a marca Bavária a concorrentes.
"A fusão permitiu o crescimento, e não a concentração de mercado", diz Oliveira. "A AmBev é mais moderna, está em mais mercados e emprega mais gente do que se as duas tivessem se mantido separadas."
Há quem discorde. Arthur Barrionuevo Filho, professor da FGV, diz que a aprovação não seguiu padrões internacionais e houve aumento no domínio do mercado, com efeito negativo para consumidores e concorrentes. Há uma série de processos recentes contra a AmBev na SDE (Secretaria de Direito Econômico) por abuso de poder econômico. As principais reclamações dizem respeito a pressões feitas a fornecedores e ao varejo, para evitar o aumento da concorrência.
"A aprovação da AmBev pelo Cade foi tecnicamente incorreta e insuficiente", diz Lucia Helena Salgado, professora da Uerj. "Eles venderam fábricas obsoletas e uma marca desimportante, o que gerou resultados perversos ao consumidor."
Salgado é autora de um estudo no qual foram comparados os efeitos no mercado após a compra da Kolynos pela Colgate, em 1995. À época, o Cade obrigou que a líder Kolynos fosse retirada temporariamente do mercado. Para ela, nesse caso houve ganho para o consumidor, com redução de preços, melhoria da concorrência e da qualidade dos produtos.
Procuradas, Colgate e Nestlé não responderam a pedido de entrevista. A Nestlé enviou números que indicam ganhos para trabalhadores e mercado com a aquisição. A empresa questiona na Justiça a decisão do Cade que vetou a transação.
Apesar dos números positivos, especialistas ressaltam que, como à época havia ofertas de competidores menores pela Garoto, como Cadbury e Kraft Lacta, os resultados poderiam ter sido mais favoráveis ao consumidor se a compra pela Nestlé tivesse sido impedida.


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