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OPINIÃO ECONÔMICA
Um mundo péssimo
PAULO RABELLO DE CASTRO
Para quem achava plausível
que a recuperação da economia mundial, na esteira da pujança americana, se daria, no
mais tardar, no início deste segundo semestre de 2002, a sensação de perplexidade e desconforto
deve ser muito forte!
Com as quedas espetaculares
dos últimos dias, as Bolsas americanas, européias e asiáticas nos
remetem aos cenários horrorosos
das crises de confiança de 1997 e
1998, com a diferença fundamental de que, agora, não seriam apenas a marola e os respingos de
uma crise na Ásia emergente ou
na Rússia, afetando alguns corretores de Nova York. Será que as
crises na própria economia-líder,
os EUA, e adjetivamente na Alemanha e no Japão não teriam
contornos diferentes e muito mais
graves? A resposta a essa pergunta
interessa, obviamente, a todos os
investidores, mas também aos
brasileiros, em geral, que já padecem da debilidade da economia
brasileira num mar revolto em
que, além do mais, haverá troca
de capitão do navio, timoneiro,
navegador, enfim, de toda a tripulação...
De lambuja aos crônicos problemas internos, o próximo governo
do Brasil herdará um mundo péssimo. "Um mundo péssimo" foi a
chamada editorial ao inteligente
artigo-resumo produzido pelo
percuciente Clóvis Rossi -colunista desta Folha- em referência
ao debate havido na casa, há exatas duas semanas.
Um dos debatedores lembrou,
naquele dia, que o próximo presidente herdaria "um mundo que
está mal e vai ficar péssimo", embora ressalvando: "Não é o fim do
capitalismo, mas é o fim do hiperendividamento norte-americano". Pois é, não deu nem tempo
de amadurecer a breve profecia e
o mundo parece se desmanchar. A
velocidade dos acontecimentos
parece caracterizar nossa época.
Mas nem tanto. O ajuste do endividamento empresarial e familiar
norte-americano está estampado
e é devido desde o final dos anos
90. Com sua polêmica capacidade
de adiar fatos irreversíveis, o
"mago" Alan Greenspan tem feito
das tripas coração para introduzir o novíssimo conceito de "parto
sem dor" ou de "ajustes sem custos" na economia pós-moderna.
Numa sequência formidável de
reduções de juros, até o nível recorde (de baixa) de 1,75% ao ano,
o Fed (banco central norte-americano) tem conseguido fazer o camelo passar pelo buraco da agulha, ao reduzir muito gradual e
lentamente o consumo dos endividados americanos ao nível de
suas reais possibilidades, pondo
fim a quase uma década de trepidantes gastos das empresas e das
famílias nos EUA -justamente a
relaxante e gostosa era Clinton.
Coincidentemente à saída do
louro brilhante, Greenspan já não
tem mais para onde correr, os juros já vieram ao solo, até atrasando o ajuste que realmente interessa da balança externa dos EUA (o
déficit comercial de bens e serviços, projetado para mais de 5% do
PIB americano). Daí a queda (afinal) da cotação do dólar ante o
euro e o início do que será, ao longo dos próximos meses, estendendo-se a 2003, o penoso percurso de
retorno dos orçamentos familiares nos EUA ao tamanho de suas
respectivas carteiras, e das empresas, a seus efetivos limites de endividamento.
E, por falar em carteiras, a perda na da maior nação investidora
em Bolsa dá uma dimensão do
ajuste de consumo que ainda está
por vir...
Que dimensão econômica, que
recado para nós essa situação delicada lá fora nos indica e aponta?
O caminho da defesa financeira
redobrada e reforçada. Nessa verdadeira "salada de legumes" em
que se transformou o debate na
corrida presidencial, na expressão
feliz e insuperável de Fernando
Pedreira ("O Globo", 21/ 07/02),
não é de esperar que os candidatos berinjela, pimentão, abobrinha ou chuchu tratem de questões
fundamentais. Pois, se o fizessem,
estariam abandonando uma secular tradição brasileira de candidato só discutir o que agrada ao
eleitor! Contudo, no dia 2 de janeiro de 2003, o novo capitão do
navio terá de se perguntar onde
estão suas defesas financeiras para navegar os primeiros meses de
grande turbulência e os anos à
frente, conduzindo o barco do
Brasil a águas menos borrascosas
do que as que vêm destruindo a
pobre nação argentina.
Respostas do tipo "que venha o
FMI (e que venha logo)" não prestam; são puro veneno para adocicar os esforços necessários da tripulação e o perfeito entendimento e cooperação que se precisa extrair de todos os passageiros, para
superarmos a situação limite de
risco à qual nos deixamos aproximar tão perigosamente! O FMI só
tem mais empréstimos para nos
fornecer. Será que os investidores
confiarão em nós ainda mais endividados? A Argentina "morreu"
depois de aprovado um último
empréstimo bilionário pelo FMI e,
meses antes, uma "megacanje",
megatroca de títulos de US$ 29 bilhões! A defesa financeira de um
país se faz diminuindo, e não aumentando, o seu grau de exposição aos financiamentos externos.
O FMI, nos próximos meses e
anos, pode ser, no máximo, o discreto interlocutor externo de um
Brasil que paga suas contas em
dia e encontra o caminho, com
suas próprias pernas, de financiar
sem crescimento (tão insuficiente
hoje) pelo esforço de maior poupança interna, o que exigirá uma
guerra à gastança pública, proposta hoje inaudível por qualquer
candidato presidencial...
Não importa. É o que terá de ser
feito pelo "Brasil-que-der-certo".
Para o outro Brasil, o perdido em
si mesmo, qualquer outro caminho serve, como diria Alice no
País das Maravilhas.
Mas, se nesse mundo péssimo, o
Brasil conseguir dar o exemplo de
emergir da crise, tratando da sua
defesa financeira, por conta própria, e reafirmando a si mesmo e
a seus instáveis credores a capacidade de autogerenciamento tantas vezes posta em dúvida por
nossos críticos daqui e lá de fora,
aí, sim, poderemos dizer que a
instável estabilização da era FHC
terá se convertido num bem-sucedido caso de "crescimento com estabilidade".
Paulo Rabello de Castro, 53, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico (RJ). Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
E-mail - paulo@rcconsultores.com.br
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