|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
VINICIUS TORRES FREIRE
O que não se sabe de ricos e pobres
Propaganda política exagera dados que indicam queda da
desigualdade e da pobreza;
estudos ainda são imprecisos
O PRESTÍGIO eleitoral do lulismo parece chancelar a célebre estatística do IBGE que,
no ano passado, difundiu a idéia de
que a divisão da renda foi sob Lula a
menos desigual em 30 anos. Mas de
certo mesmo, por ora, é: 1) O fato de
tantos terem deixado a pobreza em
tão pouco tempo; 2) O crescimento
da economia, quando tal coisa exótica voltar a ocorrer, só vai reduzir
mais e mais rapidamente a pobreza
se a desigualdade continuar a cair;
não basta só crescer.
Mas o cidadão que dispuser do lazer e do privilégio de considerar a
realidade além do preço do saco de
cimento, do tijolo baiano, do puxadinho e da cesta básica deveria considerar que: ainda não sabemos bem o
que aconteceu com a desigualdade
de renda no Brasil.
Tornou-se moda remoer os dados
do IBGE e produzir salsichas científicas semanais sobre pobreza e renda. Várias têm mais gordura do que
carne. Algumas dicas de receitas diet
para consumir os embutidos estatísticos, de acordo com os melhores especialistas do ramo:
1) As pesquisas de renda captam
muito mal o dinheiro que os mais ricos ganham com ações de empresas
e juros de aplicações financeiras.
Mas o endividado governo do Brasil
paga anualmente juros brutos que
ultrapassam a ordem da centena de
bilhões de reais. Assim, complica-se
a medida da renda dos mais ricos (e
da desigualdade), que nos registros
oficiais parece ter caído. Caiu?;
2) Uma salsicha estatística recente dá conta de que o salário mínimo
teria deixado de influenciar a redução da pobreza. Mas o salário mínimo ainda é um mistério. A partir de
um certo nível, aumentos de salário
mínimo acima do ritmo de crescimento da economia e da produtividade redundam em desemprego e
informalidade (que é uma forma de
cortar salário). Mas não se sabe direito qual é esse nível no Brasil. As
pesquisas sobre o assunto no período pós-Real são contraditórias;
3) Apesar de ajudar a reduzir a desigualdade por meio de programas
de renda mínima (como a Previdência o é, em parte), não se sabe como e
se o salário mínimo afeta a desigualdade no mercado de trabalho;
4) A renda do trabalho foi responsável por 50% ou 75% (os dados variam) da redução da desigualdade
entre 2001 e 2004;
5) A redução da desigualdade beneficiou os 70% mais pobres. Mas
quem tinha renda em torno de R$
750 já conta entre os 30% mais ricos.
Mas, a resto, a renda média vem
caindo há quase dez anos. Houve redistribuição da escassez; melhor que
tenha sido na direção dos mais pobres. Mas é pouco;
6) A desigualdade não caiu devido
ao aumento do acesso ao emprego.
No que diz respeito à injustiça social, os milhões de empregos são
uma salsicha eleitoral;
7) A desigualdade diminuiu ainda
porque empregos migraram para o
interior, o que achatou salários nas
metrópoles, e porque o agronegócio
antes crescia;
8) Sem mais emprego, continuará
a haver quase apenas redistribuição
da escassez entre aqueles que não
dispõem de outras rendas que trabalho e caridade oficial; a expansão das
bolsas sociais está perto do limite a
partir do qual começa a ser economicamente prejudicial se não houver reforma do gasto público.
vinit@uol.com.br
Texto Anterior: BNDES reduz taxa para compra de máquinas Próximo Texto: Consumidor quer gastar mais, diz pesquisa Índice
|