São Paulo, quinta-feira, 24 de agosto de 2006

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VINICIUS TORRES FREIRE

O que não se sabe de ricos e pobres

Propaganda política exagera dados que indicam queda da desigualdade e da pobreza; estudos ainda são imprecisos

O PRESTÍGIO eleitoral do lulismo parece chancelar a célebre estatística do IBGE que, no ano passado, difundiu a idéia de que a divisão da renda foi sob Lula a menos desigual em 30 anos. Mas de certo mesmo, por ora, é: 1) O fato de tantos terem deixado a pobreza em tão pouco tempo; 2) O crescimento da economia, quando tal coisa exótica voltar a ocorrer, só vai reduzir mais e mais rapidamente a pobreza se a desigualdade continuar a cair; não basta só crescer.
Mas o cidadão que dispuser do lazer e do privilégio de considerar a realidade além do preço do saco de cimento, do tijolo baiano, do puxadinho e da cesta básica deveria considerar que: ainda não sabemos bem o que aconteceu com a desigualdade de renda no Brasil.
Tornou-se moda remoer os dados do IBGE e produzir salsichas científicas semanais sobre pobreza e renda. Várias têm mais gordura do que carne. Algumas dicas de receitas diet para consumir os embutidos estatísticos, de acordo com os melhores especialistas do ramo:
1) As pesquisas de renda captam muito mal o dinheiro que os mais ricos ganham com ações de empresas e juros de aplicações financeiras. Mas o endividado governo do Brasil paga anualmente juros brutos que ultrapassam a ordem da centena de bilhões de reais. Assim, complica-se a medida da renda dos mais ricos (e da desigualdade), que nos registros oficiais parece ter caído. Caiu?;
2) Uma salsicha estatística recente dá conta de que o salário mínimo teria deixado de influenciar a redução da pobreza. Mas o salário mínimo ainda é um mistério. A partir de um certo nível, aumentos de salário mínimo acima do ritmo de crescimento da economia e da produtividade redundam em desemprego e informalidade (que é uma forma de cortar salário). Mas não se sabe direito qual é esse nível no Brasil. As pesquisas sobre o assunto no período pós-Real são contraditórias;
3) Apesar de ajudar a reduzir a desigualdade por meio de programas de renda mínima (como a Previdência o é, em parte), não se sabe como e se o salário mínimo afeta a desigualdade no mercado de trabalho;
4) A renda do trabalho foi responsável por 50% ou 75% (os dados variam) da redução da desigualdade entre 2001 e 2004;
5) A redução da desigualdade beneficiou os 70% mais pobres. Mas quem tinha renda em torno de R$ 750 já conta entre os 30% mais ricos. Mas, a resto, a renda média vem caindo há quase dez anos. Houve redistribuição da escassez; melhor que tenha sido na direção dos mais pobres. Mas é pouco;
6) A desigualdade não caiu devido ao aumento do acesso ao emprego. No que diz respeito à injustiça social, os milhões de empregos são uma salsicha eleitoral;
7) A desigualdade diminuiu ainda porque empregos migraram para o interior, o que achatou salários nas metrópoles, e porque o agronegócio antes crescia;
8) Sem mais emprego, continuará a haver quase apenas redistribuição da escassez entre aqueles que não dispõem de outras rendas que trabalho e caridade oficial; a expansão das bolsas sociais está perto do limite a partir do qual começa a ser economicamente prejudicial se não houver reforma do gasto público.


vinit@uol.com.br

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