São Paulo, domingo, 24 de setembro de 2006

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Índia esbarra em contrastes para alcançar China

Infra-estrutura precária e pobreza evidenciam as fraquezas do país, em situação semelhante à já enfrentada por vizinho

Capital financeira, Mumbai é retrato das disparidades, com favelas e cortiços e ilhas de prosperidade representadas por grifes e hotéis 5 estrelas

Kevin Lee - 1º.jun.04/Bloomberg News
Vista de Pudong, em Xangai, que personifica a China moderna


CLÁUDIA TREVISAN
ENVIADA ESPECIAL A MUMBAI

Centro financeiro da Índia, Mumbai é o retrato dos contrastes do país e dos desafios que o governo tem pela frente.
Com seu caos urbano e infra-estrutura precária, ela também revela a distância que separa a Índia da vizinha China, com a qual divide o estrelato do mundo em desenvolvimento.
Segunda maior cidade do país, com 14 milhões de habitantes, Mumbai parece uma interminável sucessão de favelas, cortiços, prédios degradados e camelôs, com ilhas de prosperidade representadas por repartições públicas, novos edifícios e a região sul, onde se concentram os ricos, as lojas de grifes internacionais, a maior parte das atrações turísticas e muitos dos hotéis cinco estrelas.
Sede da Bolsa de Valores, do banco central e de grandes empresas, a cidade tem uma das maiores favelas da Ásia e enfrenta problemas como cortes freqüentes no fornecimento de água e luz.
A miséria também habita as ruas de Xangai, o centro financeiro da China, mas em escala infinitamente menor. O cenário futurista de Pudong, na parte nova da cidade, a crescente sofisticação da vida noturna, a multiplicação das lojas de luxo e a moderna infra-estrutura traduzem o sucesso da receita chinesa de desenvolvimento.
A origem mais óbvia das diferenças é o fato de a China ter iniciado suas reformas em 1978, 11 anos antes de a Índia começar a abrir e flexibilizar sua economia. Com um grande volume de poupança interna, os chineses foram capazes de manter altíssimos índices de investimento, próximos de 40% do PIB, o dobro dos níveis registrados no Brasil.
Nos últimos 27 anos, a China manteve a liderança da expansão econômica no mundo, com crescimento médio de 9,6% ao ano. Depois de oscilações nas décadas de 80 e 90, a Índia conseguiu manter a partir de 2003 taxas anuais próximas a 8%.

Desigualdades
Além de alcançar maior crescimento, a China foi mais bem-sucedida no combate à pobreza, problema comum aos dois países, que, juntos, concentram 40% da população mundial -2,3 bilhões de pessoas.
As reformas chinesas permitiram que 400 milhões de pessoas deixassem a condição de miseráveis. O país ainda enfrenta o desafio de melhorar a condição de vida de pelo menos mais 30 milhões de pobres, pelas contas oficiais.
Apesar de também ter diminuído a pobreza, a Índia tem um terço de seu 1 bilhão de habitantes vivendo na miséria absoluta, possui uma infra-estrutura precária e indicadores sociais alarmantes. O analfabetismo, por exemplo, é de 40%, comparados a 8% da China.
O economista-chefe do banco suíço UBS na Ásia, Jonathan Anderson, acredita que a Índia está hoje em uma situação semelhante à experimentada pela China no início da década de 80, com uma taxa de poupança de 30% do PIB.
Para ele, esse acúmulo de capital dará impulso aos investimentos e permitirá que a Índia mantenha altos índices de expansão nos próximos anos.

Anti-China
"Isso pode soar incrivelmente otimista para qualquer um que já esteve na Índia, onde a economia é vista como "anti-China': extremamente politizada, afetada por uma burocracia disfuncional, super-regulada em todas as áreas e fragmentada ao extremo", escreveu o economista na edição de setembro da revista "Far Eastern Economic Review".
Anderson justifica seu otimismo com a análise das trajetórias de sucesso de vários outros países asiáticos, que têm em comum os altos índices de poupança e investimentos.
Em sua opinião, a poupança indiana permitirá o desenvolvimento da infra-estrutura e do setor manufatureiro, considerados fundamentais para a manutenção do alto crescimento.
A expansão da indústria também será crucial para a criação de empregos, em um país que ainda tem 60% de sua população no campo.
Andy Xie, economista-chefe do banco americano Morgan Stanley na Ásia, afirma que a Índia precisa desenvolver sua indústria manufatureira para ter um crescimento sustentável. Mas isso só será possível com investimentos em infra-estrutura, diz.
"As exportações da China em 2005 corresponderam a 7,5 vezes as da Índia, enquanto seu PIB foi 2,8 vezes maior", destaca Xie. Para reduzir a diferença, a Índia ainda tem um longo caminho a percorrer, a julgar pela avaliação do economista: "O crescimento anual da infra-estrutura da China em muitas áreas é igual ao estoque existente na Índia hoje".

A jornalista CLÁUDIA TREVISAN viajou a convite do governo indiano


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