São Paulo, quarta-feira, 24 de setembro de 2008

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Democratas e republicanos atacam plano

Em audiência tensa no Senado, Bernanke defende compra valorizada de títulos podres e diz que, sem pacote, virá recessão

Apesar de primeira reação contrária no Congresso, nenhum parlamentar ameaça bloquear votação, o que deve agilizar aprovação

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

Numa audiência tensa, que durou quase cinco horas e foi interrompida por gritos de manifestantes, o presidente do Federal Reserve, Ben Bernanke, e o secretário do Tesouro, Henry Paulson, defenderam no Congresso o pacote de US$ 700 bilhões contra a crise financeira.
Ambos pediram aprovação rápida do pacote, para evitar falências em massa. As incertezas quanto ao pacote seguiram ontem ampliando as perdas nos mercados, com o Dow Jones recuando 1,47%, e a Bovespa, 3,78%.
"Devemos fazer isso para impedir uma série sucessiva de falências de instituições financeiras e o congelamento dos mercados de crédito, que ameaçam o bem-estar financeiro das famílias americanas, a viabilidade de pequenas e grandes empresas e a própria saúde da economia", afirmou o secretário do Tesouro.
"Se os mercados não estiverem funcionando, empregos serão perdidos, a taxa de desemprego subirá, mais casas entrarão em inadimplência, o PIB vai se contrair e a economia simplesmente não será capaz de se recuperar", ameaçou Bernanke, em depoimento ao Comitê de Bancos do Senado.
Bernanke acenou com a compra de títulos das empresas em dificuldade por valores acima dos de mercado hoje, como maneira efetiva de conter a crise. Fazer isso ajudaria a economia a "descongelar", afirmou, no que definiu "não como um gasto de US$ 700 bilhões, mas uma compra de ativos". É a primeira vez que tanto Bernanke quanto Paulson acenam com quanto pagariam pelos papéis.
A compra de ativos podres para venda posterior, com o mercado já acalmado, é a base do plano. Bem executada, disse Bernanke, pode vir a render "um bom dinheiro para os contribuintes". Além disso, defendeu, "não podemos impor medidas punitivas às empresas que escolherem vendê-los -isso eliminaria ou reduziria fortemente a participação delas e faria o programa fracassar".
Paulson pediu agilidade na votação. "Sinto uma urgência grande e acredito que [a aprovação] tenha de sair nesta semana ou antes de vocês saírem", afirmou, referindo-se ao recesso eleitoral do Congresso na sexta-feira, mas que pode ser adiado, se for necessário.
As falas foram seguidas de uma sessão de perguntas e respostas por vezes ásperas, e o clima era de urgência histórica. "Essa pode ser a audiência mais importante de nosso comitê nos 22 anos em que sou membro", disse Richard Shelby. A defesa do governo, no entanto, restringia-se aos próprios depoentes, Bernanke e Paulson.
Apesar de ser do mesmo partido do governo, Shelby foi um dos que lideraram a saraivada de ataques. "Precisamos de alternativas, não podemos resolver essa crise gastando uma quantidade enorme de dinheiro em papéis ruins", disse. "Esse resgate massivo não é uma solução", concordou seu colega Jim Bunning. "É socialismo financeiro e é antiamericano."
Outros compararam a pressa exigida e a falta de detalhes do plano apresentado à aprovação do Ato Patriota, logo após os ataques de 11 de Setembro de 2001, que ampliou de maneira sem precedentes os poderes do Executivo. "O que eles nos mandaram não é aceitável", disse o democrata Christopher Dodd. "Depois de ler a proposta, só posso concluir que não só nossa economia está em risco mas também a Constituição."
Dodd disse ainda que a crise era "totalmente previsível" e que estava "zangado" com a possibilidade de os "autores dessa calamidade", os banqueiros de Wall Street, saírem bem da crise com dinheiro dos contribuintes. Paulson também se disse "zangado", mas afirmou que estava fazendo o melhor para os contribuintes.
Senadores perguntavam se o total pedido, que eleva o endividamento americano para US$ 11,3 trilhões -ou US$ 2.300 por habitante do país-, não poderia ser liberado em parcelas. Não, isso inviabilizaria o plano, respondeu Paulson. O governo bate pé numa medida "limpa", que dê amplos poderes para que o Tesouro decida como usar os US$ 700 bilhões.
A oposição pede maior vigilância no uso do dinheiro, que o governo receba ações das empresas socorridas em troca, que executivos de empresas em dificuldades sejam punidos e que os mutuários sejam ajudados.
Na Câmara dos Deputados, o projeto também foi criticado por democratas e mesmo republicanos, apesar da visita que o vice-presidente dos EUA, Dick Cheney, fez aos líderes de seu partido na Casa.
Aos poucos, no entanto, Congresso e Casa Branca parecem caminhar em direção à aprovação de um pacote. Um indicador é o fato de, apesar de todas as críticas, nenhum senador ter ameaçado bloquear a votação usando o regimento.


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