São Paulo, quarta-feira, 24 de setembro de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

O melhor já passou


Contas externas do Brasil ainda vão bem, mas sangria americana foi estancada por esparadrapo e deve piorar

QUEM OLHOU os dados divulgados ontem sobre as contas externas brasileiras pode dizer, numa paráfrase de humor sombrio, que o pior não começou.
Sim, o déficit nas transações externas de bens e serviços (déficit em conta corrente) continuou a crescer em agosto e deve piorar neste mês. O déficit passou de 1,3% do PIB para 1,5% de julho para agosto, mas na balada previsível desde o início do ano. O investimento estrangeiro direto, dito "na produção", continua bem, cobre o déficit corrente e até supera previsões oficiais. Os investidores fugiram da Bolsa, mas não da renda fixa, e os empréstimos de curto prazo ressuscitaram, depois do fundo do poço da metade do ano.
Mas o melhor já passou.
O Banco Central prevê que déficit corrente e investimento direto devem apenas empatar em 2009. Mas tal previsão está mais prejudicada que de hábito, pois a bola da economia mundial está cravada na marca do pênalti. Ocorreu a catástrofe que se temia nos Estados Unidos, embora a sangria tenha sido estancada por um esparadrapo enorme, o preanunciado pacotão do governo.
Os indicadores essenciais de tensão financeira mundial voltaram a piorar ontem, entre outros motivos devido à quizila entre Congresso e governo americanos, que ficou evidente. Os juros interbancários voltaram a subir para níveis recordes. A sede dos bancos por dinheiro nos leilões do Federal Reserve foi tanta que as taxas também saíram salgadas. Os juros de papéis do Tesouro americano caíram para os níveis da terça-feira da semana passada, o dia anterior ao congelamento e ao pânico total nos mercados.
Ben Bernanke, presidente do Fed, e Hank Paulson, secretário do Tesouro, foram ao Congresso dos EUA para explicar o pacotão. Apanharam muito. A certa hora, Bernanke chegou a dizer que sempre fora um professor, que nunca trabalhara em Wall Street, como a dizer que não era lobista da finança, o que não pegou muito bem para Paulson, que já presidiu o Goldman Sachs.
Claro que os políticos fizeram tal cena, em parte, para livrar a cara, jogando para a galera, que está fula com Wall Street, com o dinheiro público lançado na roda do mercado, com o "socialismo financeiro para ricos" e com o lobby descarado da banca. Mas há dúvidas sérias sobre o modo pelo qual o governo vai comprar a papelada -se é que o Congresso deixará a coisa passar assim. Bernanke deixou de lado a apresentação que havia preparado e, num discurso um tanto confuso, disse que não se pode comprar a papelada da banca por valor muito baixo, para não criar nova onda de quebras. Ok, pode ser, mas Bernanke parecia dizer também que os leilões de compra da dívida serão quase de mentirinha. Isto é, que o governo vai dar um jeito de comprar o papelório pelo preço que os bancos acham que tal mico vale, piorando as contas públicas. Não pegou bem, assim como caiu mal Paulson ter reafirmado que quer poderes de sultão das finanças dos EUA -um senador disse que querem rasgar não só o dinheiro público, mas também a Constituição.
Enquanto isso, o dominó da quebra em cadeia está em "pause" ou "super slow motion", à espera da doação de dinheiro aparentemente prometida ontem por Bernanke.

vinit@uol.com.br


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