São Paulo, quinta-feira, 24 de setembro de 2009

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Anistia a dinheiro no exterior avança

Após Senado, comissão da Câmara aprova projeto que permite repatriação ou legalização após pagamento de imposto

Após 4 anos parado, governo orienta base aliada a acelerar tramitação, embora ainda possa mudar projeto por temor de efeito cambial

Martin Ruetschi - 18.mar.1997/Associated Press
Cofre em banco suíço; Câmara dos Deputados analisa projeto para repatriar recursos

FÁBIO ZANINI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Com apoio da base do governo, um projeto de repatriação de capitais enviados ilegalmente ao exterior, que inclui anistia para os responsáveis pela evasão das divisas, avançou ontem na Câmara dos Deputados após quatro anos parado.
Por 16 votos a favor e 4 contra, o projeto do deputado federal José Mentor (PT-SP), de 2005, foi aprovado na Comissão de Finanças da Casa, principal etapa de análise de mérito na tramitação.
Segue agora para outra comissão, a de Constituição e Justiça, mas um recurso de Mentor foi apresentado para pular essa etapa e ir direto ao plenário, antes de ir ao Senado.
Segundo a Folha apurou, a área econômica e o Ministério da Justiça ainda têm dúvidas sobre o mérito do projeto e não se posicionaram claramente sobre sua aprovação.
Um receio é que uma enxurrada de dólares derrube ainda mais a cotação da moeda americana, ameaçando as exportações. Apesar disso, há integrantes da equipe econômica que defendem a medida pelo potencial de arrecadação.
A orientação ontem do Executivo aos deputados da base foi de aprovar o projeto para rediscuti-lo em etapa posterior, quando pode ser mudado.
O mesmo sinal foi dado a um projeto semelhante, do senador Delcídio do Amaral (PT-MS). Após passar pela Comissão de Relações Exteriores, o projeto chegou à Comissão de Assuntos Econômicos no final de agosto e deve ser votado em breve. O projeto de Delcídio é terminativo na comissão -ou seja, a menos que haja um recurso, segue direto para a Câmara sem passar pelo plenário do Senado.
Ambos os projetos preveem a cobrança de alíquotas para pessoas físicas e jurídicas que optem pela repatriação.
O argumento principal é que não se pode deixar capital brasileiro parado no exterior. "O dinheiro já existe, só vai mudar o país em que está depositado. Vai gerar riqueza aqui, em vez de gerar riqueza em outro lugar. É importante num momento em que estamos saindo da crise", afirma Mentor.
Baseado em dados da polêmica CPI do Banestado, de 2004, da qual foi relator, Mentor afirma que há estimativas dando conta de que até metade dos cerca de US$ 150 bilhões depositados ilegalmente no exterior possam voltar ao Brasil.
"Já pensou esse capital circulando por aqui? O impacto que isso teria na economia?", disse o relator do projeto aprovado, deputado Aelton Freitas (PR-MG). O projeto prevê anistia para sonegação fiscal e evasão de divisas e exclui acusados de terem obtido o recurso a partir de tráfico, terrorismo, pornografia infantil, improbidade administrativa, extorsão e outros crimes.
As regras preveem alíquotas diferenciadas para quem optar por repatriar o recurso e quem quiser legalizá-lo mantendo-o no exterior. O relator fixou imposto de 10% ao capital que voltar, obrigando-o a ficar no Brasil, aplicado em títulos públicos, pelo prazo mínimo de dois anos. A sugestão inicial de Mentor era apenas 3%.
"Chegamos a um meio-termo que não fosse baixo demais e que também não desestimulasse a repatriação", declarou Freitas.
Para capital legalizado e mantido no exterior -uma casa comprada com dinheiro irregular, por exemplo-, a alíquota será de 15% (6% na proposta inicial).
Está coberto pelo projeto o capital que em tese continua no exterior, mas na prática já retornou, de maneira disfarçada, por meio de empréstimos simulados de empresas no exterior ("offshores") abertas em nome do proprietário do recurso para sua própria conta ou empresa no Brasil.
O projeto também obriga o registro do recurso na Receita Federal, mas assegura o anonimato do proprietário.
Embora tramitando separadamente, os projetos de Mentor e Delcídio devem ser juntados. Os dois petistas trabalham paralelamente pelo objetivo comum. O mais provável é que o que for aprovado primeiro agregue o outro.
O do senador, apresentado neste ano, é mais complexo. Prevê, por exemplo, alíquotas diferenciadas de repatriação para diferentes objetivos, como depósito em conta bancária ou investimento em infraestrutura. "Está cheio de empresário doido para repatriar seus recursos que estão lá fora e aproveitar o momento da economia brasileira", afirma Delcídio.
O projeto de Mentor recebeu na comissão ontem votos de parlamentares de PT, PR, PMDB, PC do B, PP e PMN, todos da base. Votaram contra dois deputados do PSDB, um do DEM e um do PSOL. "Há um problema ético, de beneficiar fraudadores, e vários problemas práticos", disse o tucano Arnaldo Madeira (SP).


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