São Paulo, quinta-feira, 24 de setembro de 2009

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G20 olha para o mundo "pós-crise" e se divide

Países não têm consenso sobre temas como divisão de poder em órgãos internacionais

China diz que até aceita que FMI faça "recomendações" sobre política econômica, mas rejeita que sirvam de parâmetro obrigatório

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A PITTSBURGH

A cúpula do G20, a terceira em dez meses, debruça-se, a partir de hoje, sobre o que um de seus mais relevantes negociadores batiza de "o mundo pós-crise".
Pena que a unidade que marcou as cúpulas anteriores, em plena crise, esteja se diluindo.
A mais eloquente demonstração do que os diplomatas chamam de "dissonâncias", para evitar a palavra "racha", está dada pela longa e inconclusiva negociação em torno do que os Estados Unidos -afinal os anfitriões e, como tal, os maiores responsáveis pela agenda- gostariam que fosse o tema principal: a sua proposta de "moldura para um crescimento sustentável e equilibrado".
Em resumo, trata-se de olhar para o mundo pré-crise, ou seja, para os desequilíbrios na economia global sintetizados pelo fato de que o crescimento mundial era empurrado pelo excesso de dólares da China, entre outros países, reciclados nos próprios EUA, via sistema financeiro, até que a inadimplência das hipotecas "subprime" acabou levando ao derretimento do sistema financeiro, só controlado por uma maciça intervenção dos governos.
A proposta de Washington é em resumo a seguinte: os países com grandes saldos em conta-corrente (a que mede todas as transações com o exterior) passariam a consumir mais internamente, para exportar menos, e os EUA passariam a poupar mais para consumir menos, enquanto a Europa cuidaria de estimular investimentos.
Caberia ao FMI o papel de xerife das economias para evitar que pratiquem políticas que reproduzam -ou até aumentem- os desequilíbrios.
Como a Folha antecipou ontem, a China se opõe, o que foi publicamente exposto pelo seu ministro das Relações Exteriores em declarações à agência Reuters: "Todos os países devem determinar suas políticas macroeconômicas de acordo com suas próprias condições", disse Yang Jiechi.
A China até aceita que organismos como o FMI possam fazer "recomendações", mas rejeita que sirvam de parâmetro obrigatório. A Alemanha tem restrições parecidas.
É natural, nesse cenário, que os negociadores do G20 tenham passado inutilmente toda a manhã de ontem e parte da tarde em busca de um texto que possa gerar o consenso necessário para ser levado aos chefes de governo que chegam hoje a Pittsburgh.
Se não conseguiram, isso se explica em parte pelo fato de que a proposta americana foi apresentada só agora, e ontem foi a primeira vez em que os técnicos dos 21 países, mais a União Europeia, que formam o G20 se encontraram ao vivo. Antes, trocavam e-mails.
Até o meio da tarde de ontem, nem havia entrado em discussão o que é a principal demanda do Brasil: a reforma das instituições financeiras internacionais (FMI e Banco Mundial).
Nesse capítulo, também como a Folha antecipou, havia outra "dissonância": os europeus não aceitam a tese "Robin Hood" do Brasil e dos outros Bric (Rússia, Índia e China), pela qual os países ricos transfeririam 7% de suas cotas no Fundo para emergentes e em desenvolvimento, de forma a mais ou menos equilibrar o jogo: 50% das cotas ficariam com os ricos (que são cerca de 20), e a outra metade, com os cerca de 160 restantes (o FMI tem 186 países representados).
Tampouco havia sido fechado o capítulo relativo à reforma da regulação financeira, aí incluído o tópico mais desejado pelos europeus, que é limitar a remuneração dos agentes financeiros.
Nesse ponto, o que o diplomata consultado pela Folha chamou de "dissonâncias" torna-se mais explicito e mais agudo: o ministro das Finanças da Alemanha, Peer Steinbrück, afirmou à revista "Stern" que tanto a City londrina como Wall Street, nos EUA, os dois principais centros financeiros do planeta, "fazem o possível para bloquear uma regulamentação mais estrita dos mercados financeiros". Deixou implícita a ideia de que os governos britânico e norte-americano (ou o Congresso) podem ser suscetíveis ao poderoso lobby dos bancos.
As "dissonâncias" são até certo ponto normais no mundo pós-crise que está à vista: na hora do aperto, todo mundo se une. Ou como prefere David Wessel, editor econômico do "Wall Street Journal": "Quando você está no meio de uma crise, há uma espécie de "uau, temos que nos juntar e sair dessa coisa'".
O G20 juntou seus membros e foi decisivo para a saída da crise. O problema é que a saída se deu "graças ao gatilho dos pacotes de estímulo", escreve Uri Dadush, editor do "Boletim Econômico Internacional" do Instituto Carnegie para a Paz Internacional. Desfazer os pacotes também está na agenda do G20, mas a ideia parece ser apenas a de anunciar a determinação de fazê-lo e deixar para o FMI avaliar quando e como -o que repõe a questão da "dissonância" sobre a redistribuição de poder no Fundo.


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