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G20 olha para o mundo "pós-crise" e se divide
Países não têm consenso sobre temas como divisão de poder em órgãos internacionais
China diz que até aceita que FMI faça "recomendações" sobre política econômica, mas rejeita que sirvam de parâmetro obrigatório
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A PITTSBURGH
A cúpula do G20, a terceira
em dez meses, debruça-se, a
partir de hoje, sobre o que um
de seus mais relevantes negociadores batiza de "o mundo
pós-crise".
Pena que a unidade que marcou as cúpulas anteriores, em
plena crise, esteja se diluindo.
A mais eloquente demonstração do que os diplomatas
chamam de "dissonâncias", para evitar a palavra "racha", está
dada pela longa e inconclusiva
negociação em torno do que os
Estados Unidos -afinal os anfitriões e, como tal, os maiores
responsáveis pela agenda-
gostariam que fosse o tema
principal: a sua proposta de
"moldura para um crescimento
sustentável e equilibrado".
Em resumo, trata-se de olhar
para o mundo pré-crise, ou seja, para os desequilíbrios na
economia global sintetizados
pelo fato de que o crescimento
mundial era empurrado pelo
excesso de dólares da China,
entre outros países, reciclados
nos próprios EUA, via sistema
financeiro, até que a inadimplência das hipotecas "subprime" acabou levando ao derretimento do sistema financeiro,
só controlado por uma maciça
intervenção dos governos.
A proposta de Washington é
em resumo a seguinte: os países
com grandes saldos em conta-corrente (a que mede todas as
transações com o exterior) passariam a consumir mais internamente, para exportar menos,
e os EUA passariam a poupar
mais para consumir menos, enquanto a Europa cuidaria de estimular investimentos.
Caberia ao FMI o papel de
xerife das economias para evitar que pratiquem políticas que
reproduzam -ou até aumentem- os desequilíbrios.
Como a Folha antecipou ontem, a China se opõe, o que foi
publicamente exposto pelo seu
ministro das Relações Exteriores em declarações à agência
Reuters: "Todos os países devem determinar suas políticas
macroeconômicas de acordo
com suas próprias condições",
disse Yang Jiechi.
A China até aceita que organismos como o FMI possam fazer "recomendações", mas rejeita que sirvam de parâmetro
obrigatório. A Alemanha tem
restrições parecidas.
É natural, nesse cenário, que
os negociadores do G20 tenham passado inutilmente toda a manhã de ontem e parte da
tarde em busca de um texto
que possa gerar o consenso necessário para ser levado aos
chefes de governo que chegam
hoje a Pittsburgh.
Se não conseguiram, isso se
explica em parte pelo fato de
que a proposta americana foi
apresentada só agora, e ontem
foi a primeira vez em que os
técnicos dos 21 países, mais a
União Europeia, que formam o
G20 se encontraram ao vivo.
Antes, trocavam e-mails.
Até o meio da tarde de ontem, nem havia entrado em
discussão o que é a principal
demanda do Brasil: a reforma
das instituições financeiras internacionais (FMI e Banco
Mundial).
Nesse capítulo, também como a Folha antecipou, havia
outra "dissonância": os europeus não aceitam a tese "Robin
Hood" do Brasil e dos outros
Bric (Rússia, Índia e China),
pela qual os países ricos transfeririam 7% de suas cotas no
Fundo para emergentes e em
desenvolvimento, de forma a
mais ou menos equilibrar o jogo: 50% das cotas ficariam com
os ricos (que são cerca de 20), e
a outra metade, com os cerca
de 160 restantes (o FMI tem
186 países representados).
Tampouco havia sido fechado o capítulo relativo à reforma
da regulação financeira, aí incluído o tópico mais desejado
pelos europeus, que é limitar a
remuneração dos agentes financeiros.
Nesse ponto, o que o diplomata consultado pela Folha
chamou de "dissonâncias" torna-se mais explicito e mais
agudo: o ministro das Finanças
da Alemanha, Peer Steinbrück,
afirmou à revista "Stern" que
tanto a City londrina como
Wall Street, nos EUA, os dois
principais centros financeiros
do planeta, "fazem o possível
para bloquear uma regulamentação mais estrita dos mercados financeiros". Deixou implícita a ideia de que os governos
britânico e norte-americano
(ou o Congresso) podem ser
suscetíveis ao poderoso lobby
dos bancos.
As "dissonâncias" são até
certo ponto normais no mundo
pós-crise que está à vista: na
hora do aperto, todo mundo se
une. Ou como prefere David
Wessel, editor econômico do
"Wall Street Journal": "Quando você está no meio de uma
crise, há uma espécie de "uau,
temos que nos juntar e sair
dessa coisa'".
O G20 juntou seus membros
e foi decisivo para a saída da
crise. O problema é que a saída
se deu "graças ao gatilho dos
pacotes de estímulo", escreve
Uri Dadush, editor do "Boletim
Econômico Internacional" do
Instituto Carnegie para a Paz
Internacional. Desfazer os pacotes também está na agenda
do G20, mas a ideia parece ser
apenas a de anunciar a determinação de fazê-lo e deixar para o FMI avaliar quando e como -o que repõe a questão da
"dissonância" sobre a redistribuição de poder no Fundo.
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