São Paulo, segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

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Artifício contábil evita prejuízo da Caixa

Resultado do banco federal em sua principal atividade, a intermediação financeira, caiu R$ 800 mi no 3º trimestre

Analistas ressaltam ainda que instituição depende muito mais dos ganhos com operações de tesouraria (títulos) do que de crédito

SHEILA D'AMORIM
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Entre julho e setembro deste ano, o resultado da Caixa Econômica Federal na sua principal atividade, a intermediação financeira, foi cerca de R$ 800 milhões menor do que a média registrada nos períodos anteriores, e o banco controlado pela União se valeu de receitas com Imposto de Renda e contribuição social para evitar registrar prejuízo no trimestre.
No balanço divulgado em novembro, a instituição registrou lucro de R$ 63 milhões no terceiro trimestre, o pior desempenho entre os grandes grupos financeiros do país.
Levantamento feito por especialistas em análise de balanço a pedido da Folha mostra que o resultado poderia ter sido ainda pior se a Caixa tivesse contabilizado como despesa o valor correspondente ao Imposto de Renda e contribuição social registrado como receita. Foi isso o que fizeram o Banco do Brasil e outras instituições no período -e a própria Caixa nos balancetes anteriores.
Cálculos do analista da Austing Rating Luis Miguel Santacreu apontam que o prejuízo seria de até R$ 40 milhões, num cenário extremo em que a Caixa não tivesse nenhum crédito para compensar ou estornar no trimestre. O saldo também considera a despesa de R$ 167,548 milhões referente à participação dos empregados no resultado do ano lançada pela instituição no balanço.
Uma avaliação mais conservadora feita pela analista Ariadne Arnosti, do Inepad (Instituto de Ensino e Pesquisa em Administração), aponta um resultado negativo de cerca de R$ 540 mil. A estimativa toma como base a participação desses gastos com imposto e contribuição no resultado do banco nos exercícios anteriores.
Além de destacar a importância dessa receita com imposto e contribuição social para o resultado final do terceiro trimestre, as análises rebatem os argumentos dos executivos do banco de que o desempenho ruim no período -quando o setor coleciona ganhos recordes- se deveu aos recursos que o banco teve que apartar do patrimônio para cobrir possíveis perdas com créditos atrasados (provisionamento).
O estudo comparativo destaca que de fato as provisões para créditos com risco de inadimplência cresceram e somaram, no trimestre, R$ 514,758 milhões. Mas identifica também que: 1) esse total está em linha com o que foi registrado nos dois primeiros trimestres do ano; 2) nos dois trimestres iniciais de 2007, mesmo provisionando quantia 100% maior em relação a 2006, a Caixa ainda registrou um lucro acumulado de R$ 1,715 bilhão.
Em compensação, o que destoa em relação aos exercícios imediatamente anteriores é que, no terceiro trimestre, as receitas com títulos públicos, operações típicas de tesouraria, ficaram cerca de R$ 900 milhões abaixo da média. Já a receita com operações de crédito, que ajudaria a compensar essa perda, manteve-se praticamente estável, com ganho de cerca de R$ 60 milhões.
O saldo dessa combinação foi um resultado operacional da Caixa -que mostra quanto o banco ganhou e gastou na sua atividade- de R$ 237,654 milhões no trimestre. Se a Caixa tivesse ao menos mantido o desempenho dos períodos anteriores, esse total estaria pouco acima de R$ 1 bilhão, diferença de cerca de R$ 800 milhões.
"Essa justificativa de provisão pela inadimplência é furada. O problema é que a Caixa não tem crescido o crédito proporcionalmente ao peso negativo que as operações de tesouraria tiveram no período", diz Santacreu. "Só provisão não justifica a queda do lucro da Caixa", afirma Arnosti. "A participação das receitas com crédito no total das receitas do banco é de cerca de 36%, enquanto a das operações com títulos, 49%. Isso mostra o peso que a tesouraria tem para o resultado", completa.
Para Santacreu, isso serve de alerta porque ressalta que os bons resultados gerados até então foram muito mais por ganhos com títulos (tesouraria) do que com a atividade fim do banco. Entre 2003 e 2006, a Caixa se manteve entre os cinco bancos que mais lucraram no país, com ganhos entre R$ 1,4 bilhão e R$ 2,4 bilhões.
"A rentabilidade e a eficiência dela dependem da tesouraria. O banco foi saneado lá atrás, foram retirados créditos antigos ruins e dado em troca um monte de títulos públicos. Enquanto o juro está alto e não há volatilidade no mercado, ela ganha. Quando isso se reverte, ela não tem como compensar porque não está dando crédito suficiente", diz Santacreu.
Outro problema, na avaliação do analista, é que "a Caixa tem praticamente um único produto que é o carro-chefe: o crédito imobiliário, que tem retorno mais lento e tem tido uma baixa remuneração". Além disso, destaca, "a Caixa não foi bem-sucedida na incursão com pessoas jurídicas, como eles justificaram na divulgação do balanço".


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