São Paulo, domingo, 25 de janeiro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

COMENTÁRIO

Os desafios da Kodak na era digital

DO "FINANCIAL TIMES"

George Eastman não inventou a câmera, mas pode-se dizer, com justiça, que inventou o instantâneo. Em 1888, quando lançou a câmera Kodak, fácil de usar e já carregada com um rolo de filme Kodak, a fotografia era um negócio complicado, envolvendo tripés, chapas e produtos químicos. O sucesso de Eastman surgiu porque ele levou um sistema fotográfico simples e barato às massas, tornando a câmera "tão conveniente quanto um lápis".
Agora, a Kodak é uma das marcas mais conhecidas do mundo, mas, como o lápis, parece correr perigo de extinção, devido à revolução digital. As vendas daquelas caixinhas amarelas de filme estão despencando, à medida que as pessoas adotam câmeras digitais, capazes de produzir imagens para exibição em telas, distribuição via internet e impressão em máquinas domésticas. Na semana passada, a Eastman Kodak, que controla a marca nos EUA, anunciou planos para demitir 20% de seus funcionários, como parte de um penoso ajuste aos tempos modernos e sua mudança incessante.
É fácil ver a Kodak como mais uma relíquia antiquada da era industrial caindo vítima do turbilhão de progresso tecnológico que nos arrasta. Na verdade, porém, ela está sendo considerada como potencial membro de um clube notavelmente pequeno. Ainda que a era digital tenha produzido novas marcas como Microsoft, Intel, Nokia e Amazon, destruiu poucas das marcas antigas. Alguns produtos foram substituídos -como máquinas de escrever, discos de vinil e enciclopédias de 32 volumes-, mas os detentores das maiores marcas mundiais emergiram em geral incólumes do processo.
Não era isso o que se esperava. Quando a revolução industrial ocorreu, mudou quase tudo, à medida que as economias agrárias e artesanais, intocadas por milhares de anos, se transformavam em economias acionadas pela indústria e por máquinas. Assim, quando surgiu a revolução digital, muitas vezes se presumia que mais ou menos a mesma coisa aconteceria. Em lugar disso, se excetuarmos a aceleração das comunicações, seu principal efeito até agora foi o de propiciar melhoras incrementais a produtos que nos acompanham desde a era industrial por exemplo, em lugar de criar carros voadores, ela nos deu sofisticados sistemas de administração de desempenho de motores para veículos cuja tecnologia básica mudou muito pouco desde que Henry Ford lançou o seu Modelo T.
A fotografia é um bom exemplo desse fenômeno. A tecnologia digital não mudou o ato essencial de portar uma câmera e usá-la para congelar um momento e mais tarde compartilhá-lo com nossos parentes e amigos, mas mudou a forma pela qual a atividade é exercida. O grande problema da Eastman Kodak é que ela permitiu que a marca Kodak se associasse de forma muito estreita com um método de tirar fotos, o filme, em lugar de associá-la ao ato de bater a foto.
A Eastman Kodak está tentando corrigir esse problema adotando uma atitude mais agressiva no mercado de imagens digitais. Quem sabe seja capaz de encontrar sucesso, ainda que esteja concorrendo com empresas como a Canon, a Hewlett-Packard e a Sony. Se fracassar, será um dos raros monumentos aos perigos da mudança tecnológica, um pintor rupestre, quem sabe, na era de Rembrandt.


Tradução de Paulo Migliacci


Texto Anterior: Contra - Alex Agostini: Conservadorismo do Copom vai retardar o crescimento
Próximo Texto: De olho no fiscal: Rodízio de auditorias vai alterar mercado
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.