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"Queda no valor dos imóveis seria catastrófica"
DA EQUIPE DE EDITORIALISTAS
Milhões de americanos vêm
sustentando um aumento do consumo e novos investimentos no
setor imobiliário com dinheiro
obtido no refinanciamento de
seus imóveis. Caso os juros dessas
operações voltem a subir rapidamente, secará uma das principais
fontes de recursos nos EUA e os
cidadãos americanos poderão ficar mais endividados.
Há quem acredite numa piora
ainda mais acentuada do cenário,
com uma onda de inadimplência
na área imobiliária respingando
no setor bancário. Tanto que, no
ano passado, o FMI (Fundo Monetário Internacional) lançou
uma advertência pública. Segundo um relatório do Fundo, há
40% de chance de os preços dos
imóveis caírem no médio prazo.
Os preços desses ativos nos
EUA subiram 27% acima da inflação desde meados da década de
90, aponta o documento.
Para o professor Robert Guttmann, porém, o setor imobiliário,
apesar da grande valorização nos
últimos anos, pode agüentar bem,
mesmo diante de um aumento da
taxa de juros. Um dos motivos,
explica o professor, é que os EUA
têm um grande contingente de
imigrantes e pobres que buscam
realizar o sonho da casa própria.
Leia a seguir mais trechos da entrevista.
(MAC)
Folha - Existe a possibilidade de
uma crise no setor imobiliário?
Quais seriam as conseqüências para a economia americana, levando-se em conta o alto endividamento
das famílias?
Guttmann - Sempre que um ativo dobra de valor num intervalo
de cinco anos mais ou menos, você precisa se preocupar com ajustes de preço abruptos. Apesar da
desaceleração econômica e da desastrosa crise fiscal dos municípios, o setor imobiliário tem resistido muito bem por causa das baixas taxas de juros das hipotecas.
Mas, mesmo se as taxas subirem, o setor imobiliário pode se
agüentar muito bem, por dois
motivos relevantes: a) existência
de muitos imigrantes e americanos mais pobres que buscam realizar o sonho da casa própria; b)
uma oferta mais elástica de recursos para esse setor, devido às mudanças estruturais no sistema de
crédito, principalmente na securitização das hipotecas.
Uma crise das agências federais
do mercado de hipotecas, sob intensa fiscalização por causa de
manipulações na contabilidade e
práticas questionáveis de gestão
de riscos, poderia representar um
choque para todo o sistema. Uma
situação de perigo potencial.
Se houver uma ruptura na oferta de crédito hipotecário ou uma
queda acentuada dos valores dos
imóveis poderá ser catastrófico
para a economia americana dada
a sua dependência do dinamismo
desse setor.
No fundo, a economia americana estará bem enquanto a inflação
dos preços dos imóveis ultrapassar as taxas de crescimento do endividamento geral do país.
Folha - O sr. concorda com o argumento do presidente do Fed, Alan
Greenspan, sobre a solidez do sistema bancário americano, uma vez
que os bancos melhoraram a transferência de riscos e os mecanismos
de controle? Se for assim, mudou a
natureza das crises financeiras?
Guttmann - Enquanto as taxas
de juros caem e ficam muito baixas, os bancos obtêm "spreads"
favoráveis e, portanto, bons lucros. Depois de uma década neste
ambiente de baixas taxas de juros,
os bancos americanos fortaleceram seus capitais. As perdas por
inadimplência também foram
modestas durante todo o desaquecimento, após 2000.
Contudo, isso não significa ausência de instabilidade financeira.
Atualmente, é muito mais provável que as crises financeiras surjam em mercados financeiros ou
apareçam no contexto de rupturas na economia global com potencial de contágio em todo o
mundo [como em 1997-99, partindo da Tailândia para o Brasil]
em vez de se cristalizarem na forma de crises bancárias domésticas tradicionais.
Folha - Qual o papel do dólar e do
euro no sistema monetário internacional?
Guttmann - O dólar ainda é a
moeda hegemônica, mas seu status está sendo corroído gradativamente devido à irresponsabilidade fiscal dos EUA, ao isolamento
político do país e à erosão contínua do seu valor diante da inelástica e enorme necessidade de empréstimos externos [US$ 2 bilhões
por dia útil].
Ao mesmo tempo, os EUA têm
pela primeira vez desde 1945 um
sério concorrente -o euro-,
dados os rápidos avanços da
moeda européia em termos de
sua participação nos mercados
internacionais de capitais e reservas oficiais.
Folha - A globalização financeira
significa uma globalização do sistema financeiro dos EUA? Quais as
limitações enfrentadas pelo sistema financeiro americano e pelo Federal Reserve?
Guttmann - Essa pergunta é
complicada. O sistema financeiro
dos EUA com certeza lidera e
aponta tendências em termos da
securitização do crédito (e a importância dos mercados de dinheiro, de títulos e de ações), desenvolvimento de inovações financeiras, uso de derivativos para
proteção ["hedging"] e especulação, dispositivos para reduzir os
impostos sobre os ativos financeiros e empréstimos pessoais. Todos os outros países vão tentar copiar essas inovações.
Por outro lado, os bancos de investimento e os fundos de investimento americanos estão enfrentando uma crise estrutural por
causa dos escândalos que revelaram práticas criminosas, abalando a confiança dos investidores.
Os fundos de pensão com benefícios definidos das corporações
não possuem reservas suficientes
para garantir as aposentadorias
prometidas. Portanto, essas três
instituições-chave estão em crise,
exatamente quando outros países
começam a desenvolver as suas
próprias versões regionais.
No que diz respeito ao setor
bancário, existe uma tendência
em todo o mundo a favor dos
bancos universais, operando como supermercados financeiros.
Mas a União Européia está na
frente dos EUA nessa tendência,
pois a separação de instituições financeiras -comerciais e de investimento- no pós-Segunda
Guerra nunca foi tão longe quanto nos EUA. E a desregulamentação do setor bancário europeu começou uma década antes do que
nos EUA ["Segunda Diretriz Bancária" da UE em 1989 e a "Lei sobre Modernização dos Serviços
Financeiros" dos EUA em 1999].
O movimento de globalização
financeira atual tem sido conduzido no âmbito do Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (1998)
sob a tutela da Organização Mundial do Comércio (OMC), que garantiu "tratamento nacional" para os serviços financeiros estrangeiros, o que tem beneficiado tanto os bancos americanos como os
da UE. O desafio é elaborar novas
regras de regulação dos bancos
universais, dinheiro eletrônico e
mercados financeiros cada vez
mais integrados, e tentar harmonizar as diferentes tradições através do BIS e da OMC.
Para a SEC (espécie de xerife
dos mercados), o desafio é readquirir credibilidade como regulador efetivo dos mercados de capitais e da transparência das informações das empresas após os escândalos recentes. A governança
e a contabilidade corporativa continuam sendo controversas e
muito difíceis após as fraudes.
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