São Paulo, domingo, 25 de janeiro de 2009

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Procuradoria quer barrar flexibilização ilegal

Ministério Público elabora recomendações a centrais sindicais para evitar que exceção prevista na lei trabalhista vire regra

Fiesp e Força Sindical negociam "acordo guarda-chuva" para balizar negociações sobre redução de jornada e de salários

FÁTIMA FERNANDES
DA REPORTAGEM LOCAL

O Ministério Público do Trabalho em São Paulo expediu na última sexta-feira notificações a seis centrais sindicais e a 16 federações de empregadores de São Paulo e região para que respeitem as leis trabalhistas ao incentivarem acordos ou convenções coletivas para a redução de jornada e salários.
As discussões entre a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e a Força Sindical para encontrar formas de evitar demissões levaram o MPT a instaurar um procedimento preparatório para fiscalizar "fatos relativos à negociação [das duas entidades]".
"Essa recomendação do MPT tem caráter preventivo e de orientação e tenta evitar que haja uma disseminação de acordos e convenções que prejudiquem os trabalhadores. Além disso, vamos acompanhar a partir de agora esses acordos. Se forem abusivos, vamos pedir a anulação deles na Justiça", diz Philippe Gomes Jardim, procurador do MPT.
O MPT entende que a redução da jornada e de salários, prevista na Constituição Federal (artigo 7º, inciso 6), tem de respeitar a lei nº 4.923. Essa lei cita que o salário e a jornada de trabalho podem ser reduzidos em no máximo 25% e por três meses (podendo ser prorrogados por mais três meses) e que essa situação só pode ocorrer caso a empresa comprove dificuldade financeira. Essas condições têm de ser aprovadas em assembleia de trabalhadores.
O MPT teme que um "acordo guarda-chuva" como o que está sendo preparado pela Fiesp e pela Força Sindical -que voltam a se reunir nesta semana- vire regra, e não exceção, e que todas as empresas comecem a reduzir jornada e salários.
"Essa discussão não pode ser feita de forma generalizada e abranger todas as indústrias. Não está previsto na Constituição que essa situação [redução de jornada e salários] possa ser usada de forma ampla pelas empresas. Nós vamos nos posicionar contra isso e vamos buscar alternativas para que o trabalhador não seja prejudicado", afirma Laura Martins Maia de Andrade, procuradora regional do MPT em São Paulo.
Os efeitos da crise financeira internacional nas empresas brasileiras são as razões apresentadas pela Fiesp e pela Força Sindical para discutir formas de evitar demissões (leia texto ao lado). "Os empresários querem utilizar a crise para colocar em prática o que eles desejam há muito tempo. Isso é puro oportunismo", afirma a procuradora do MPT.
O TRT (Tribunal Regional do Trabalho) de São Paulo também entende que só se uma empresa ou até um setor estiver passando por dificuldades econômicas comprovadas é possível a redução de jornada e salários. "Mas esse acordo não pode ser feito só por um lado. O trabalhador também tem de querer essa situação, assim como tem de querer a suspensão de contrato de trabalho, que pode ocorrer por dois a cinco meses, como cita a Constituição [artigo 476 A]", afirma Decio Sebastião Daidone, presidente do TRT de São Paulo.

Primeiros casos
A indústria de autopeças GKN, do Rio Grande do Sul, fez acordo por três meses para redução de 14,6% da jornada e de salários de seus 1.400 empregados alegando problema de fluxo de caixa. "A empresa abriu as contas e comprovou que tinha problemas. Eles queriam 22% de redução nos salários, mas fechamos em 14,6%. E haverá devolução de salários quando a situação da empresa melhorar", afirma Claudir Nespolo, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos da Grande Porto Alegre, ligado à CUT. Segundo ele, em votação secreta, 94% dos trabalhadores aceitaram a redução de salário.
A Renault e seus empregados optaram pela suspensão de contrato de trabalho de mil funcionários da produção da fábrica de São José dos Pinhais (PR). Nesse período, no qual a empresa fará um ajuste de produção, o empregado, segundo a montadora, vai receber o equivalente ao salário líquido -uma parte será paga pela empresa e outra parte virá de recursos do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador).
Em São Paulo, a Basso Componentes, a Indebras (fabricantes de autopeças) e a Muller (produtora de plásticos) também fecharam acordos de suspensão de contrato de trabalho. As duas fabricantes de autopeças negociaram com o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo. E a Muller fez acordo com o Sindicato dos Químicos e Plásticos de São Paulo.
A Volks optou pela introdução do sistema de banco de horas, no qual a empresa poderá conceder até 25 dias de descanso na fábrica de Taubaté (SP). Se a demanda cai, o funcionário trabalha menos, e, se as vendas voltam a subir, trabalha mais.
A discussão que se faz neste momento, segundo Daidone, do TRT, é se as empresas estão de fato tendo prejuízo com a crise ou se estão apenas vendendo menos. "É preciso ficar bem atento a isso. Entendo que este ainda não é o momento de reduzir jornada e salários de forma generalizada, mas isso não quer dizer que não precisamos modernizar a legislação trabalhista. Será que as empresas estão tão mal das pernas?"
O TRT, segundo ele, fez recentemente uma encomenda de 40 carros para uma montadora e foi informado de que haveria atraso na entrega dos veículos por conta da alta procura pelo modelo. "A montadora sugeriu um carro mais caro pelo mesmo preço do modelo solicitado só para entregar no prazo. Isso mostra que as vendas não estão tão ruins como se fala."


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