São Paulo, quarta-feira, 25 de fevereiro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LUÍS NASSIF

As cotas nas universidades

Nas políticas públicas brasileiras ainda há grande dificuldade em colocar os fins acima dos meios. Tome-se a questão das cotas para negros e/ou pobres nas universidades públicas. Qual o objetivo: permitir meramente que entrem nas universidades ou que entrem, obtenham o diploma e consigam melhores condições de emprego?
Depois de entrar na universidade, o aluno terá que cursá-la, aprender, passar de ano, desenvolver-se para, depois, atingir o objetivo final de ter um bom emprego. Como dois e dois são quatro, a maioria absoluta dos alunos que entrarem nas universidades pelo atalho das cotas não completará os cursos. Os que completarem teriam conseguido entrar na universidade sem o expediente das cotas.
Na semana passada mesmo foi divulgada a informação de que 20% dos alunos da USP (Universidade de São Paulo) desistem dos cursos por considerá-los muito "exigentes". Esse percentual vai explodir se houver essa "estatização" das vagas e sua distribuição segundo critérios étnicos ou sociais. É impensável um aluno sem formação adequada de matemática cursando uma Poli; ou sem formação adequada de humanas cursando ciências sociais.
Sob o manto da responsabilidade social, vão se praticar duas irresponsabilidades: uma com o aluno, que, sem formação anterior, se esfalfará, terá que estudar e trabalhar ao mesmo tempo, com quase nenhuma condição de aproveitar ou mesmo completar um curso superior de bom nível; outra com o país, ao desperdiçar recursos públicos e a banalizar ainda mais os cursos superiores.
A universidade é, por definição, intelectualmente elitista e não há por que temer a palavra. Há uma enorme massa de alunos que entra no ensino fundamental (antigo primeiro grau), uma parcela menor que passa pelo médio (antigo segundo grau) e uma terceira, menor ainda, que chega à universidade. A ela ascendem os melhores por meio da mais democrática das formas de acesso: o vestibular. No vestibular, tanto faz se a pessoa é branca ou negra, rica ou pobre, magra ou gorda. Passa quem fizer a melhor prova.
A diferença vem antes. Os mais pobres não têm acesso aos bons cursos médios ou a cursinhos e, muitas vezes, nem conseguem cursar por falta de condições financeiras. Responsabilidade social efetiva consiste em dar a eles as mesmas condições dos mais ricos de cursar boas escolas de ensino médio e bons cursinhos. Depois, no vestibular, disputar as vagas em igualdade de condições com os alunos em melhor situação social. Inclusão com responsabilidade consiste em monitorar a escola pública, identificar os melhores alunos e -aí sim- desde cedo ampará-los financeiramente até a universidade, permitindo que integrem a elite intelectual do país.
Recentemente, Brito Cruz, reitor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), contava sobre dois aspectos da instituição que dirige: a maioria dos alunos não é de classe média abastada, como se presume; os melhores alunos são os de menor renda que conseguiram passar no vestibular. Venceram concorrendo em condições adversas e, por isso mesmo, são dotados de muito mais talento e garra do que os colegas que atingiram o mesmo patamar saindo de uma base mais favorável.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


Texto Anterior: Comércio 2: Para Zoellick, 2004 não será perdido para Doha
Próximo Texto: Leite derramado: Parmalat dos EUA entra com pedido de concordata na Justiça
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.