São Paulo, segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

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LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA

"Flexissecuridade" e Estado social


O que está ocorrendo desde os anos 1980 não é propriamente crise do Estado social, mas transformação

DESDE OS anos 1980, está em discussão a crise do Estado social, porém o que está ocorrendo não é propriamente crise, mas transformação. De um lado, a decisão da Nokia de transferir para a Romênia uma fábrica que empregava 3.000 pessoas na Alemanha e as reformas trabalhistas que os países europeus realizaram para baratear sua força de trabalho e evitar deslocalizações desse tipo mostram que o Estado social está sendo desafiado. De outro lado, porém, o aumento da carga tributária nos países europeus mais avançados, principalmente no Reino Unido, para financiar o aumento dos gastos sociais do Estado, especialmente nas áreas da saúde, da educação e da previdência, significa que o Estado social está se fortalecendo.
O nome dessa mudança aparentemente paradoxal foi dado pelos países escandinavos, sabidamente os países que melhor lograram combinar o desenvolvimento econômico capitalista com o atendimento das demandas socialistas de maior igualdade ou justiça social.
Chama-se "flexissecuridade" e se define por uma redução dos direitos trabalhistas, particularmente dos obstáculos à demissão de pessoal, combinada com um aumento compensatório da segurança do trabalhador e de seus salários indiretos por meio do aumento da carga tributária e dos gastos sociais.
A onda ideológica neoliberal dos últimos 30 anos tinha como objetivo a volta ao Estado liberal -a uma forma de Estado que não assegurava direitos trabalhistas nem fornecia serviços sociais gratuitos a toda a população. A tentativa fracassou no segundo ponto, já que o tamanho do Estado medido em termos de carga tributária em relação ao PIB aumentou, ao invés de diminuir; e só foi bem-sucedida no primeiro porque as condições da concorrência internacional vêm obrigando os países ricos a flexibilizar os salários diretos. Por meio da flexibilização, esses países aumentam sua competitividade internacional e diminuem as taxas de desemprego. Mas, em compensação, adotam políticas que aumentam o tempo do seguro-desemprego, e, mais amplamente, todos os serviços sociais e científicos, tornando gratuita ou quase a saúde pública, a educação e os demais gastos voltados para o consumo coletivo e igualitário. Um governo na Europa estará mais à direita ou à esquerda à medida que essa compensação for menor ou maior.
Entre os países ricos, a "flexissecuridade" ocorreu principalmente nos europeus porque tinham um Estado social a defender. Nos Estados Unidos, não havia muito a reduzir em termos de direitos trabalhistas e não houve aumento da despesa social. No Brasil, ainda que tenhamos desde os anos 1940 um razoável índice de proteção ao trabalho (melhor do que nos Estados Unidos), não houve redução dos direitos trabalhistas, porque os salários aqui crescem no médio prazo menos do que a produtividade devido às migrações internas que implicam uma oferta ilimitada de trabalho. As migrações internas aqui fazem o papel da imigração nos países ricos. Os gastos sociais, por sua vez, não baixaram; pelo contrário, aumentaram, porque a construção do Estado social por meio do aumento dos gastos sociais foi a forma acordada na transição democrática para corrigir em parte os baixos salários e a distribuição desigual da renda existente no país. Aqui, como na Europa, o Estado social é uma conquista democrática.


LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , 73, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda, da Reforma do Estado e da Ciência e Tecnologia, é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".
Internet: www.bresserpereira.org.br
lcbresser@uol.com.br


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