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LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA
"Flexissecuridade" e Estado social
O que está ocorrendo
desde os anos 1980 não é propriamente crise do Estado social, mas transformação
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DESDE OS anos 1980, está em
discussão a crise do Estado
social, porém o que está
ocorrendo não é propriamente crise, mas transformação. De um lado,
a decisão da Nokia de transferir para a Romênia uma fábrica que empregava 3.000 pessoas na Alemanha e as reformas trabalhistas que
os países europeus realizaram para
baratear sua força de trabalho e evitar deslocalizações desse tipo mostram que o Estado social está sendo desafiado. De outro lado, porém, o
aumento da carga tributária nos
países europeus mais avançados,
principalmente no Reino Unido,
para financiar o aumento dos gastos sociais do Estado, especialmente nas áreas da saúde, da educação e
da previdência, significa que o Estado social está se fortalecendo.
O nome dessa mudança aparentemente paradoxal foi dado pelos
países escandinavos, sabidamente
os países que melhor lograram
combinar o desenvolvimento econômico capitalista com o atendimento das demandas socialistas de
maior igualdade ou justiça social.
Chama-se "flexissecuridade" e se
define por uma redução dos direitos trabalhistas, particularmente
dos obstáculos à demissão de pessoal, combinada com um aumento
compensatório da segurança do
trabalhador e de seus salários indiretos por meio do aumento da carga
tributária e dos gastos sociais.
A onda ideológica neoliberal dos
últimos 30 anos tinha como objetivo a volta ao Estado liberal -a uma
forma de Estado que não assegurava direitos trabalhistas nem fornecia serviços sociais gratuitos a toda
a população. A tentativa fracassou
no segundo ponto, já que o tamanho do Estado medido em termos
de carga tributária em relação ao
PIB aumentou, ao invés de diminuir; e só foi bem-sucedida no primeiro porque as condições da concorrência internacional vêm obrigando os países ricos a flexibilizar
os salários diretos. Por meio da flexibilização, esses países aumentam
sua competitividade internacional
e diminuem as taxas de desemprego. Mas, em compensação, adotam
políticas que aumentam o tempo do
seguro-desemprego, e, mais amplamente, todos os serviços sociais e
científicos, tornando gratuita ou
quase a saúde pública, a educação e
os demais gastos voltados para o
consumo coletivo e igualitário. Um
governo na Europa estará mais à direita ou à esquerda à medida que essa compensação for menor ou
maior.
Entre os países ricos, a "flexissecuridade" ocorreu principalmente
nos europeus porque tinham um
Estado social a defender. Nos Estados Unidos, não havia muito a reduzir em termos de direitos trabalhistas e não houve aumento da despesa social. No Brasil, ainda que tenhamos desde os anos 1940 um razoável índice de proteção ao trabalho (melhor do que nos Estados Unidos), não houve redução dos direitos trabalhistas, porque os salários aqui
crescem no médio prazo menos do
que a produtividade devido às migrações internas que implicam uma
oferta ilimitada de trabalho. As migrações internas aqui fazem o papel
da imigração nos países ricos. Os
gastos sociais, por sua vez, não baixaram; pelo contrário, aumentaram,
porque a construção do Estado social por meio do aumento dos gastos
sociais foi a forma acordada na transição democrática para corrigir em
parte os baixos salários e a distribuição desigual da renda existente no
país. Aqui, como na Europa, o Estado social é uma conquista democrática.
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , 73, professor emérito
da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda, da
Reforma do Estado e da Ciência e Tecnologia, é autor de
"Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".
Internet: www.bresserpereira.org.br
lcbresser@uol.com.br
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