São Paulo, quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Texto Anterior | Índice

Propaganda troca consumo por "valores"

Marcas conhecidas focam o passado e o pessoal para oferecer aos consumidores senso de segurança e conforto na crise

Executivo da Pepsi compara época atual aos anos 1960: "pressentimos que, daqui a 5 anos", algo "vai ter mudado de modo fundamental"

JENNY WIGGINS
DO "FINANCIAL TIMES"

Mulheres que comem no McDonald's são descoladas: andam de skate, tocam guitarra elétrica e pintam os olhos com sombra azul. Homens que tomam uísque Chivas são cavalheirescos: carregam mulheres no colo debaixo de chuva para que não precisem andar na lama e fazem carros em pane pegar no tranco. E adolescentes que tomam Coca-Cola são felizes e encontram suas almas gêmeas por acaso na biblioteca.
Ou, pelo menos, é isso que as empresas responsáveis por essas marcas gostariam que pensássemos. Antes preocupadas em incentivar as pessoas a se exibir, consumindo lautamente, hoje elas estão mostrando pessoas envolvidas em atividades que revelam que, além de terem bens materiais, elas são ricas em vida pessoal.
Um anúncio da campanha "Esta é a Vida Chivas", que começou em 2003, mostrava homens tomando uísque com seus amigos enquanto pescavam, sentados num iceberg. Contrastando com isso, o anúncio de TV da nova campanha do Chivas, "Viva com Cavalheirismo", que começou na China em outubro e será exibida em todo o mundo, começa com uma imagem de um homem de terno preto e aparência triste acossado por multidões de pessoas enquanto caminha numa rua cinzenta. "Milhões de pessoas, todo o mundo só pensando em si mesmo. Será que esse é o único jeito?", indaga o anúncio. "Não", ouvem os espectadores, enquanto veem imagens de homens saltando de aviões e cavalgando em praias. "Viva a honra e viva a bravura! Viva o fazer a coisa certa, viva quem se importa."
Martin Riley, executivo-chefe de marketing do grupo francês Pernod Ricard, proprietário do Chivas, diz que a campanha do cavalheirismo é sobre "os sujeitos bons que retribuem".
Quando o grupo de bebidas pesquisou a ideia do cavalheirismo, acrescentou, encontrou eco: "As pessoas estão questionando alguns valores que levaram o mundo para onde está -a ideia de o indivíduo avançar, custe o que custar".
Outras companhias dizem que consumidores vêm expressando sentimentos parecidos. Na França, a McDonald's iniciou campanha intitulada "Venez Comme Vous Êtes" ("venha do jeito como está"), em meio a receios de que o slogan global da empresa, "Amo Muito Tudo Isso", possa ser visto como arrogante. Grégoire Champetier, que cuida do marketing da empresa na França e no sul da Europa, diz que a rede quer retomar a imagem que promoveu quando abriu a primeira loja na França (em Estrasburgo), há 30 anos. Na época, restaurantes informais eram raridade, e a rede lançou campanha intitulada "Ça se passe comme ça, chez McDonald's" ("No McDonald's é assim").
Agora que os franceses já estão familiarizados com a rede, Champetier quer lembrar a eles que, além de ser um lugar para se comer sem gastar muito, é onde se pode ser informal com as outras pessoas. "Essa campanha não é uma resposta à crise [econômica], mas veio no momento certo", diz ele.
O McDonald's está transmitindo quatro comerciais na TV francesa, cada um mostrando uma pessoa expressando aspectos diferentes de sua personalidade. Se a campanha fizer sucesso, será levada a outros países da Europa.
A Coca-Cola também está trazendo de volta campanhas passadas que destacaram a importância de as pessoas serem positivas e otimistas, numa tentativa de voltar a um vínculo passado com os consumidores, alguns dos quais perdeu nos últimos anos, à medida que pessoas abandonaram os refrigerantes em favor de alternativas com teor mais baixo de açúcar.
Na Grande Depressão, a empresa lançou uma campanha intitulada "A Pausa que Refresca". No período de alta inflação no final dos anos 1970, veio a campanha "Tome uma Coca e Abra um Sorriso". Agora, aposta na "Felicidade Declarada".
Shay Drohan, vice-presidente da Coca-Cola, argumenta que a empresa está bem posicionada para "reconfortar" as pessoas porque sua marca é fortemente consolidada. "Colocar as coisas em perspectiva é uma das coisas que nossa marca pode fazer. Não podemos começar a falar em algo novo neste momento -as pessoas estão à procura do que é familiar."
Outra marca que está capitalizando em cima de sua longevidade e familiaridade é a cerveja preta irlandesa Guinness. Na Irlanda, onde comemora seu 250º aniversário, está colocando no ar anúncios de TV dos anos 1950 e 1970, incluindo um que mostra um leão-marinho equilibrando um copo de Guinness no focinho. "As pessoas estão à procura de segurança e confiança", diz Brian Duffy, diretor global de marca da Guinness. "Acho que não é possível inventar um passado simpático e caloroso -é preciso tê-lo."
Algumas marcas mais jovens estão adotando abordagem mais moderna, mas na mesma linha. A vodca Absolut, concebida como marca em sua forma atual em 1979, neste mês lançou o anúncio "Abraços". Ele mostra estranhos se abraçando e se beijando em escritórios, ônibus e peixarias, ao som de "A Kiss to Build a Dream On", de Louis Armstrong. Já foi visto mais de 1,2 milhão de vezes no YouTube.
A campanha que tem a meta mais ambiciosa é "Refresque Tudo", da PepsiCo. Seu comercial na TV americana, que exibe a frase "é hora de otimismo" na tela antes de lançar palavras como "alegria" e "amor", fala do poder do pensamento positivo, diz Frank Cooper, vice-presidente de marcas. "As pessoas que adotam o otimismo conseguem seguir adiante." Cooper argumenta que há um novo "movimento cultural" no ar. "As pessoas se sentem com poder, sentem que é seu direito participar das transformações e realizá-las." E compara esse movimento à campanha de Barack Obama.
"É como os anos 1960. Pressentimos que, daqui a cinco anos, alguma coisa vai ter mudado de modo fundamental."


Tradução de CLARA ALLAIN


Texto Anterior: Mecânico move ação após ter auxílio suspenso
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.