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Propaganda troca consumo por "valores"
Marcas conhecidas focam o passado e o pessoal para oferecer aos consumidores senso de segurança e conforto na crise
Executivo da Pepsi compara época atual aos anos 1960: "pressentimos que, daqui a 5 anos", algo "vai ter mudado
de modo fundamental"
JENNY WIGGINS
DO "FINANCIAL TIMES"
Mulheres que comem no
McDonald's são descoladas:
andam de skate, tocam guitarra
elétrica e pintam os olhos com
sombra azul. Homens que tomam uísque Chivas são cavalheirescos: carregam mulheres
no colo debaixo de chuva para
que não precisem andar na lama e fazem carros em pane pegar no tranco. E adolescentes
que tomam Coca-Cola são felizes e encontram suas almas gêmeas por acaso na biblioteca.
Ou, pelo menos, é isso que as
empresas responsáveis por essas marcas gostariam que pensássemos. Antes preocupadas
em incentivar as pessoas a se
exibir, consumindo lautamente, hoje elas estão mostrando
pessoas envolvidas em atividades que revelam que, além de
terem bens materiais, elas são
ricas em vida pessoal.
Um anúncio da campanha
"Esta é a Vida Chivas", que começou em 2003, mostrava homens tomando uísque com
seus amigos enquanto pescavam, sentados num iceberg.
Contrastando com isso, o
anúncio de TV da nova campanha do Chivas, "Viva com Cavalheirismo", que começou na
China em outubro e será exibida em todo o mundo, começa
com uma imagem de um homem de terno preto e aparência triste acossado por multidões de pessoas enquanto caminha numa rua cinzenta. "Milhões de pessoas, todo o mundo
só pensando em si mesmo. Será
que esse é o único jeito?", indaga o anúncio. "Não", ouvem os
espectadores, enquanto veem
imagens de homens saltando
de aviões e cavalgando em
praias. "Viva a honra e viva a
bravura! Viva o fazer a coisa
certa, viva quem se importa."
Martin Riley, executivo-chefe de marketing do grupo francês Pernod Ricard, proprietário
do Chivas, diz que a campanha
do cavalheirismo é sobre "os
sujeitos bons que retribuem".
Quando o grupo de bebidas
pesquisou a ideia do cavalheirismo, acrescentou, encontrou
eco: "As pessoas estão questionando alguns valores que levaram o mundo para onde está
-a ideia de o indivíduo avançar, custe o que custar".
Outras companhias dizem
que consumidores vêm expressando sentimentos parecidos.
Na França, a McDonald's iniciou campanha intitulada "Venez Comme Vous Êtes" ("venha do jeito como está"), em
meio a receios de que o slogan
global da empresa, "Amo Muito
Tudo Isso", possa ser visto como arrogante. Grégoire Champetier, que cuida do marketing
da empresa na França e no sul
da Europa, diz que a rede quer
retomar a imagem que promoveu quando abriu a primeira loja na França (em Estrasburgo),
há 30 anos. Na época, restaurantes informais eram raridade, e a rede lançou campanha
intitulada "Ça se passe comme
ça, chez McDonald's" ("No
McDonald's é assim").
Agora que os franceses já estão familiarizados com a rede,
Champetier quer lembrar a
eles que, além de ser um lugar
para se comer sem gastar muito, é onde se pode ser informal
com as outras pessoas. "Essa
campanha não é uma resposta
à crise [econômica], mas veio
no momento certo", diz ele.
O McDonald's está transmitindo quatro comerciais na TV
francesa, cada um mostrando
uma pessoa expressando aspectos diferentes de sua personalidade. Se a campanha fizer
sucesso, será levada a outros
países da Europa.
A Coca-Cola também está
trazendo de volta campanhas
passadas que destacaram a importância de as pessoas serem
positivas e otimistas, numa
tentativa de voltar a um vínculo
passado com os consumidores,
alguns dos quais perdeu nos últimos anos, à medida que pessoas abandonaram os refrigerantes em favor de alternativas
com teor mais baixo de açúcar.
Na Grande Depressão, a empresa lançou uma campanha
intitulada "A Pausa que Refresca". No período de alta inflação
no final dos anos 1970, veio a
campanha "Tome uma Coca e
Abra um Sorriso". Agora, aposta na "Felicidade Declarada".
Shay Drohan, vice-presidente da Coca-Cola, argumenta
que a empresa está bem posicionada para "reconfortar" as
pessoas porque sua marca é
fortemente consolidada. "Colocar as coisas em perspectiva é
uma das coisas que nossa marca pode fazer. Não podemos começar a falar em algo novo neste momento -as pessoas estão
à procura do que é familiar."
Outra marca que está capitalizando em cima de sua longevidade e familiaridade é a cerveja preta irlandesa Guinness.
Na Irlanda, onde comemora
seu 250º aniversário, está colocando no ar anúncios de TV dos
anos 1950 e 1970, incluindo um
que mostra um leão-marinho
equilibrando um copo de Guinness no focinho. "As pessoas estão à procura de segurança e
confiança", diz Brian Duffy, diretor global de marca da Guinness. "Acho que não é possível
inventar um passado simpático
e caloroso -é preciso tê-lo."
Algumas marcas mais jovens
estão adotando abordagem
mais moderna, mas na mesma
linha. A vodca Absolut, concebida como marca em sua forma
atual em 1979, neste mês lançou o anúncio "Abraços". Ele
mostra estranhos se abraçando
e se beijando em escritórios,
ônibus e peixarias, ao som de
"A Kiss to Build a Dream On",
de Louis Armstrong. Já foi visto
mais de 1,2 milhão de vezes no
YouTube.
A campanha que tem a meta
mais ambiciosa é "Refresque
Tudo", da PepsiCo. Seu comercial na TV americana, que exibe
a frase "é hora de otimismo" na
tela antes de lançar palavras como "alegria" e "amor", fala do
poder do pensamento positivo,
diz Frank Cooper, vice-presidente de marcas. "As pessoas
que adotam o otimismo conseguem seguir adiante."
Cooper argumenta que há
um novo "movimento cultural"
no ar. "As pessoas se sentem
com poder, sentem que é seu
direito participar das transformações e realizá-las."
E compara esse movimento à
campanha de Barack Obama.
"É como os anos 1960. Pressentimos que, daqui a cinco anos,
alguma coisa vai ter mudado de
modo fundamental."
Tradução de CLARA ALLAIN
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