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OPINIÃO ECONÔMICA
Entre Chávez e o mercado
GESNER OLIVEIRA
Há duas posições freqüentes
e equivocadas acerca do
processo político recente na América Latina. A primeira pode ser
chamada de Chavezfobia. Exagera a influência do presidente venezuelano Hugo Chávez e prega
medidas radicais para evitar a
chavinização do continente. A segunda ignora a influência da política sobre a economia. Não importaria a vontade das urnas, pois
o mercado seria capaz de disciplinar qualquer animal político, seja
de direita, de esquerda ou de centro.
A Chavezfobia constitui enorme
retrocesso. É evidente que apesar
da folga financeira obtida com os
elevados preços do petróleo, o presidente Chávez não detém o poder
que lhe atribui a administração
Bush. Os países latino-americanos não vão se agrupar contra ou
a favor de Chávez, nem mesmo se
o preço do barril de petróleo atingir US$ 100.
Em seu livro de memórias que
será lançado amanhã em Nova
York, o ex-presidente Fernando
Henrique conta com humor, e certo desapontamento, a obsessão de
Bush pela questão energética e pela Venezuela. Tal reducionismo
dos problemas latino-americanos
ocorre em prejuízo de uma ampla
e urgente agenda de questões no
âmbito da Alca, olimpicamente
abandonadas nos últimos anos.
A visão geopolítica da América
Latina do governo Bush é digna
do filme "Confederate States of
América (CSA)", uma comédia
patrocinada por Spike Lee que
descreve com humor sarcástico
como teria evoluído a história se
os Estados confederados do Sul tivessem vencido a guerra civil contra o Norte abolicionista. Não é
preciso muita imaginação para
prever as políticas absurdas que
seriam adotadas. Mas a virtude
desse filme artesanal é ilustrar a
ficção com peças e documentos
reais de políticas efetivamente
adotadas nos EUA até recentemente. Pois as manifestações do
Departamento de Estado dos
EUA contra Chávez cairiam como
uma luva na visão dos confederados do filme!
A segunda posição equivocada
crê que a lógica implacável do
mercado seria cura de todos os
males. Com a maior integração
comercial e sobretudo financeira,
a classe política não teria outra
alternativa a não ser perseguir
um modelo pré-determinado de
política econômica.
A súbita conversão do presidente Lula e do PT à hiper-austeridade monetária seria uma demonstração dessa tese. Depois de Lula,
acabou o medo dos investidores
em relação aos candidatos autodenominados de esquerda. Se Andrés Manuel Lopez Obrador vencer no México, as políticas macro
permaneceriam intocadas. Mais
cedo ou mais tarde, o vencedor escreveria uma carta aos mexicanos
explicando que o mundo mudou e
que tudo aquilo que foi prometido
durante décadas terá de ser postergado ou esquecido de uma vez
por todas.
Há três problemas com essa visão. Em primeiro lugar, não é possível generalizar. As peculiaridades de cada país e de cada sistema
político geram resultados completamente diferentes. Em segundo
lugar, não há um único modelo de
política econômica a ser seguido e
mesmo se houvesse, não estaria
restrito às políticas macro. Há um
conjunto de ações microeconômicas que seriam decisivas para alterar a taxa de crescimento dos
países latino-americanos. Até
agora os investidores estão satisfeitos porque não foi praticada
nenhuma loucura. O problema é
que isso não basta. Uma série de
coisas, como a desoneração tributária e a eliminação do excesso de
burocracia, foram esquecidas. Os
novos esquerdistas convertidos estão sendo celebrados não por
aquilo que eles fizeram mas apenas pelas extravagâncias que deixaram de cometer.
Por último, os efeitos de longo
prazo são perigosos. A lentidão
em preparar as economias latino-americanas para o crescimento
sustentado termina por deixar
passar a oportunidade de ouro da
economia mundial. Com a taxa
de inovação e a produtividade
crescendo a níveis baixos relativamente à Ásia, os países do continente acabam ficando irremediavelmente atrasados. Criando, aí
sim, dificuldades crescentes para
os frágeis regimes democráticos
da região.
Gesner Oliveira, 49, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), presidente do Instituto Tendências e ex-presidente do Cade. Atualmente, é professor visitante do Centro de Estudos Brasileiros na Universidade Columbia (EUA).
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br
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