São Paulo, domingo, 25 de março de 2007

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Mundo só ganha 0,2% de PIB com Doha, diz estudo

Brasil seria um dos poucos países beneficiados por acordo na rodada de liberalização no comércio mundial, aponta pesquisa

Subsaarianos teriam queda de cerca de 1% na renda; benefícios da abertura agrícola devem fluir "esmagadoramente" a ricos

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

A economia mundial terá um ganho de magérrimo 0,2% em relação a seu tamanho atual se houver um acordo na Rodada Doha, a mais recente negociação para a liberalização comercial, lançada em 2001 na capital do Qatar e praticamente estancada desde então.
Em números absolutos, o ganho oscilará entre US$ 40 bilhões e US$ 60 bilhões para todos os 150 países envolvidos na negociação.
O cálculo é de Sandra Polaski, especialista em comércio do centro Carnegie para a Paz Internacional, badalado instituto de pesquisas norte-americano.
Contraria frontalmente todos os demais estudos, especialmente os de organizações internacionais, que costumam anunciar uma cornucópia de benefícios para o mundo todo no caso de a Rodada Doha chegar por fim a bom termo.
Aliás, a modéstia dos ganhos é precisamente o fator apontado por Polaski para explicar a falta de progresso na negociação. "A limitada natureza dos ganhos é uma boa explicação para a falta de urgência demonstrada pelos negociadores", diz ela.

Beneficiados
Outro conceito largamente difundido, o de que os países mais pobres serão os mais beneficiados, é também contestado pela especialista do Carnegie. Aliás, a Rodada Doha ganhou um aditivo no seu nome e passou a ser Rodada Doha de Desenvolvimento, o que não se justificaria, se as contas de Polaski estiverem certas.
Escreve ela em "Ganhadores e Perdedores - o Impacto da Rodada Doha nos Países em Desenvolvimento": "Há tanto ganhadores líquidos como perdedores líquidos, nos diferentes cenários, e os países mais pobres estão entre os perdedores líquidos, em qualquer dos prováveis cenários".
Polaski especifica que os países subsaarianos, justamente os mais pobres entre os pobres, sofrerão uma redução em sua renda de aproximadamente 1%. No lado vencedor, o "grande ganhador é a China, com ganhos entre 0,8% e 1,2% de seu PIB" (Produto Interno Bruto, a produção de bens e serviços de um país).
O estudo avaliza, indiretamente, a estratégia brasileira de pôr toda a ênfase na abertura agrícola do mundo rico.
Embora o cálculo de Polaski seja o de que os "benefícios da liberalização do comércio agrícola fluirão esmagadoramente para os países ricos, enquanto países em desenvolvimento sofrerão pequenas perdas como grupo", o Brasil não está entre os perdedores.
"Há grandes diferenças no impacto em diferentes países em desenvolvimento. Alguns poucos ganharão, notadamente Brasil, Argentina e Tailândia, mas mais [países] sofrerão pequenas perdas decorrentes da liberalização agrícola", acredita Polaski.
Também nessa área agrícola, os prejudicados estão entre os países mais pobres, caso de Bangladesh, países da África Oriental, da África subsaariana, do norte africano, do Oriente Médio. Entre os grandes países em desenvolvimento, China e México terão perdas no quesito agrícola.
Os maiores ganhos, no entanto, virão da liberalização na indústria, diz o levantamento, o que naturalmente beneficiará os países e regiões mais ricas.

Ganhos modestos
"Para os 15 países da Europa central e ocidental que são membros da União Européia e para o Japão, as manufaturas representarão a maior parcela dos ganhos, mas a agricultura contribui com uma parcela maior dos ganhos para os Estados Unidos, na medida em que sejam removidos altos níveis de distorção na UE e no Japão", calcula Polaski.
O estudo contraria mais uma sabedoria convencional, a de que o livre comércio é poderoso instrumento na redução da pobreza.
"Está claro no modelo do Carnegie e de uma avaliação detalhada da maioria de outros modelos recentes que o comércio não é a panacéia para aliviar a pobreza e, mais genericamente, para o desenvolvimento. O comércio é um fator entre muitos que podem contribuir para o crescimento econômico e o aumento da renda, mas sua contribuição tende a ser muito modesta", escreve Polaski.
Tudo somado, o trabalho insinua que as dificuldades até aqui expostas na negociação tendem a se prolongar, porque, "dados os ganhos relativamente modestos, [...] as perdas de empregos e empresas são freqüentemente mais dolorosas politicamente do que potenciais ganhos no futuro".


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