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Mundo só ganha 0,2% de PIB com Doha, diz estudo
Brasil seria um dos poucos países beneficiados por acordo na rodada de liberalização no comércio mundial, aponta pesquisa
Subsaarianos teriam queda de cerca de 1% na renda; benefícios da abertura agrícola devem fluir "esmagadoramente" a ricos
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
A economia mundial terá um
ganho de magérrimo 0,2% em
relação a seu tamanho atual se
houver um acordo na Rodada
Doha, a mais recente negociação para a liberalização comercial, lançada em 2001 na capital
do Qatar e praticamente estancada desde então.
Em números absolutos, o ganho oscilará entre US$ 40 bilhões e US$ 60 bilhões para todos os 150 países envolvidos na
negociação.
O cálculo é de Sandra Polaski, especialista em comércio do
centro Carnegie para a Paz Internacional, badalado instituto
de pesquisas norte-americano.
Contraria frontalmente todos os demais estudos, especialmente os de organizações
internacionais, que costumam
anunciar uma cornucópia de
benefícios para o mundo todo
no caso de a Rodada Doha chegar por fim a bom termo.
Aliás, a modéstia dos ganhos
é precisamente o fator apontado por Polaski para explicar a
falta de progresso na negociação. "A limitada natureza dos
ganhos é uma boa explicação
para a falta de urgência demonstrada pelos negociadores", diz ela.
Beneficiados
Outro conceito largamente
difundido, o de que os países
mais pobres serão os mais beneficiados, é também contestado pela especialista do Carnegie. Aliás, a Rodada Doha ganhou um aditivo no seu nome e
passou a ser Rodada Doha de
Desenvolvimento, o que não se
justificaria, se as contas de Polaski estiverem certas.
Escreve ela em "Ganhadores
e Perdedores - o Impacto da
Rodada Doha nos Países em
Desenvolvimento": "Há tanto
ganhadores líquidos como perdedores líquidos, nos diferentes cenários, e os países mais
pobres estão entre os perdedores líquidos, em qualquer dos
prováveis cenários".
Polaski especifica que os países subsaarianos, justamente
os mais pobres entre os pobres,
sofrerão uma redução em sua
renda de aproximadamente
1%. No lado vencedor, o "grande ganhador é a China, com ganhos entre 0,8% e 1,2% de seu
PIB" (Produto Interno Bruto, a
produção de bens e serviços de
um país).
O estudo avaliza, indiretamente, a estratégia brasileira
de pôr toda a ênfase na abertura agrícola do mundo rico.
Embora o cálculo de Polaski
seja o de que os "benefícios da
liberalização do comércio agrícola fluirão esmagadoramente
para os países ricos, enquanto
países em desenvolvimento sofrerão pequenas perdas como
grupo", o Brasil não está entre
os perdedores.
"Há grandes diferenças no
impacto em diferentes países
em desenvolvimento. Alguns
poucos ganharão, notadamente Brasil, Argentina e Tailândia,
mas mais [países] sofrerão pequenas perdas decorrentes da
liberalização agrícola", acredita
Polaski.
Também nessa área agrícola,
os prejudicados estão entre os
países mais pobres, caso de
Bangladesh, países da África
Oriental, da África subsaariana,
do norte africano, do Oriente
Médio. Entre os grandes países
em desenvolvimento, China e
México terão perdas no quesito
agrícola.
Os maiores ganhos, no entanto, virão da liberalização na
indústria, diz o levantamento, o
que naturalmente beneficiará
os países e regiões mais ricas.
Ganhos modestos
"Para os 15 países da Europa
central e ocidental que são
membros da União Européia e
para o Japão, as manufaturas
representarão a maior parcela
dos ganhos, mas a agricultura
contribui com uma parcela
maior dos ganhos para os Estados Unidos, na medida em que
sejam removidos altos níveis de
distorção na UE e no Japão",
calcula Polaski.
O estudo contraria mais uma
sabedoria convencional, a de
que o livre comércio é poderoso
instrumento na redução da pobreza.
"Está claro no modelo do
Carnegie e de uma avaliação
detalhada da maioria de outros
modelos recentes que o comércio não é a panacéia para aliviar
a pobreza e, mais genericamente, para o desenvolvimento. O
comércio é um fator entre muitos que podem contribuir para
o crescimento econômico e o
aumento da renda, mas sua
contribuição tende a ser muito
modesta", escreve Polaski.
Tudo somado, o trabalho insinua que as dificuldades até
aqui expostas na negociação
tendem a se prolongar, porque,
"dados os ganhos relativamente modestos, [...] as perdas de
empregos e empresas são freqüentemente mais dolorosas
politicamente do que potenciais ganhos no futuro".
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